sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Filmes pro final de semana - 28/02

1. O Irlandês (The Irishman, 2019)
O filme que talvez seja o último da brilhante carreira de Martin Scorsese é uma obra prima. Não há outra definição. As mais de 3 horas de duração de O Irlandês são puro deleite para os fãs de Scorsese e para qualquer apreciador do bom cinema. 24 anos depois de Cassino, Scorsese retoma a parceria com o amigo de longa data Robert De Niro, que dá vida a Frank Sheeran, caminhoneiro e veterano de guerra que entra na máfia aos serviços da poderosa família de Russel Bufalino (Joe Pesci), e a partir de então se torna assassino profissional. Frank ganha a alcunha de "o irlandês" e uma bela reputação por sua eficácia e discrição. Algum tempo depois ele entra no mundo dos sindicatos e se aproxima do poderoso Jimmy Hoffa (Al Pacino), o todo poderoso do sindicato de transportes. Disputas por poder e a grande pressão do FBI e do governo sobre o sindicato fazem a figura de Hoffa ser cada vez mais questionada, e cabe a Frank decidir até onde vai sua lealdade ao chefe - o que é decisivo nos momentos mais intensos do filme. 
Nota: 10 
2. O Barato de Iacanga (2019)
Quem imaginaria que uma fazenda no interior paulista, numa região bastante conservadora, ainda mais em pleno regime militar, seria o palco pra hippies andarem nus livremente? O Barato de Iacanga traz a história pouco conhecida por trás do lendário Festival de Águas Claras (que infelizmente não é conhecido como merece), realizado em quatro edições entre 1975 e 1984. Conhecido como Woodstock do Brasil, o Festival evoluiu de um encontro de bandas de rock progressivo, uma coisa mais underground, para uma reunião de artistas consagrados e extremamente populares, como Raul Seixas, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Alceu Valença e João Gilberto - momento mostrado no filme como o apogeu do festival, quando João Gilberto cantou Wave junto a uma multidão de 100 mil pessoas na terceira edição, em 1983. Conduzido de uma maneira bastante leve, mesmo ao tratar da repressão da época e de todo o esforço do idealizador Leivinha e sua família para contornar a censura, o filme é uma mistura de cultura, memória e resistência. Dá uma saudade do que a gente não viveu.
Nota: 9,5/10
3. Democracia em vertigem (2019)
Nunca antes na história desse país uma indicação ao Oscar gerou tanta polêmica. O documentário que retrata a ascensão e queda do Partido dos Trabalhadores, com a consequente guinada à direita e extrema direita que o Brasil deu foi indicado ao Oscar e gerou opiniões diametralmente opostas, que vão do amor ao extremo ódio. Dirigido por Petra Lopes, que é filha de militantes de esquerda e neta de empreiteiros, o filme não é uma defesa de Lula ou exaltação aos anos em que o PT presidiu o País. Petra começa pelo fim do mandato de Lula, e a partir das manifestações de junho de 2013 mostra a queda da popularidade de Dilma e de toda a esquerda, passando pelas turbulentas eleições de 2014 e pela chegada de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados - fato decisivo no conturbado segundo mandato de Dilma. Vemos o rompimento de Cunha com o Planalto, a abertura do processo de Impeachment, a deplorável cena da votação na Câmara em abril de 2016, o julgamento de Dilma no Senado meses depois com a deposição da presidenta e consequente posse de Michel Temer, a podridão por trás daqueles que articularam e executaram o Golpe (os escândalos envolvendo Temer e Aécio com a JBS). Fatos tão conhecidos e que mostram todo o caminho percorrido até chegarmos no delicado momento em que estamos, sob a tutela de um governo iminentemente autoritário que a cada dia ameaça as instituições democráticas.
Nota: 9,5/10
4. Aquarius (2016)
Do mesmo diretor de um dos filmes mais falados no ano passado em terras tupiniquins (claro que tô falando de Bacurau. Aliás, você viu Bacurau?), Aquarius merece ser incessantemente comentado e aplaudido mais ainda. O longa traz Clara (Sonia Braga, rainha da p* toda), uma jornalista aposentada que mora em um velho prédio na praia de Boa Viagem, no Recife, resistindo à pressão de vender seu apartamento para que seja construído um edifício de luxo no lugar. Todos os moradores já haviam vendido suas casas, exceto Clara. Ao longo do filme ela demonstra uma força incrível para defender o lugar em que passou boa parte de sua vida e criou os filhos, lutando conta a construtora, os vizinhos - e a empresa nada mais é do que a representação da opressão que parte dos mais ricos, tão forte em nossa sociedade ("ou você é Cavalcanti ou é Cavalgado"). Através de um grande elenco liderado por Sonia Braga, um filme excelente sobre a mulher, o passado e o Brasil.
Nota: 10
5. Vinícius de Moraes (2005)
Mais um documentário, e o mais delicioso filme da lista de hoje. Não podia ser diferente ao falar de um dos mais populares poetas do Brasil: Vinícius de Moraes, o eterno poetinha. Poeta, cantor, músico, compositor, diplomata e amante inveterado, Vinícius é, sem dúvidas, uma das figuras mais importantes da cultura brasileira do século XX, com grande importância para a cultura mundial. Afinal, estamos falando de um dos pioneiros da Bossa nova e compositor da Garota de Ipanema. O filme é guiado pelas interpretações magistrais de Camila Morgado e Ricardo Blat, declamando poesias e lendo outros textos de Vinícius, e recheados de entrevistas de pessoas que conviveram com ele: uma irmã, filhas, e artistas como Chico Buarque, Toquinho, Edu Lobo, Carlos Lyra, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros. Também participam artistas que interpretam músicas de Vinícius, a exemplo de Zeca Pagodinho, Mart'nália e Adrina Calcanhotto. Acompanhamos a vida do poeta, seu trabalho artístico e no Itamaraty, os amores e seus nove casamentos, as lembranças saudosas dos amigos, a popularização de Vinícius, inclusive s turnês internacionais de sucesso, e o declínio de sua saúde, que levou à sua partida aos 66 anos. Destaco os vários testemunhos bem humorados de Chico Buarque e o emocionante depoimento de Edu Lobo sobre o gradativo adoecimento do parceiro Vinícius. É um documentário imperdível, envolvente, incrivelmente prazeroso de se ver.
Nota: 10

Luís F. Passos

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Cinco livros em 2019

Bem, amigos do Sagaranando, este corpo celeste azul que chamamos de lar está completando mais uma volta ao redor do astro rei, e é hora de relembrar alguns pontos deste menino maroto chamado 2019. Um ano em que apanhamos na cultura, na educação, no meio ambiente, nos movimentos sociais... e ainda tem mais três anos, taokey? O Brasil mergulhando cada vez mais nas águas turbulentas do autoritarismo e da intolerância, se tornando mais desigual e gradativamente mais deslumbrado perante o absurdo que se tornou nosso cotidiano. Mas também foi ano de alegrias, de conquistas pessoais, mas isto é assunto para mais tarde, talvez. Hoje vamos falar de livros! Consegui ler uma quantidade boa, a maior desde 2014, e quase todos eles de ótima qualidade. Antes de falar dos cinco melhores, quero dizer que Vá, coloque um vigia de Harper Lee, a continuação do maravilhoso O Sol é para todos, foi uma decepção. Mas estas serão cenas de próximos capítulos.  Desejo a todos um 2020 de paz, saúde, conquistas, ótimos livros e filmes maravilhosos. Tentarei (Ten-ta-rei!) retomar, mesmo que em pequenas doses, as atividades do blog no próximo ano.
Vamos aos cinco livros que mais me cativaram em 2019.
5. Me chame pelo seu nome, André Aciman
Livro que inspirou um dos mais destacados filmes de 2017, Me chame pelo seu nome nos leva à Riviera Italiana dos anos 80, onde um professor universitário abre as portas de sua casa todos os anos no verão a algum jovem acadêmico, oferecendo orientação em troca de ajuda com seu trabalho científico. O escolhido da vez é o americano Oliver, uma figura carismática, sedutora e um tanto quanto enigmática. Oliver imediatamente conquista a todos, mas é com Elio, filho do professor, que ele desenvolve uma relação especial - e aí temos a temática do amor, da insegurança, da descoberta da sexualidade (por parte de Elio). Uma estória tocante, bonita, despretensiosa. Do tipo de livro que a gente lembra com carinho.
Nota: 9.0/ 10

4. Este lado do paraíso, Francis Scott Fitzgerald
Esses tolos sonhadores... o primeiro romance de Scott Fitzgerald nos leva aos Estados Unidos do fim da década de 1910. Amory Blaine, o protagonista, é filho de uma família de quem recebeu bastante conforto, mas pouco afeto - apesar de sua mãe Beatrice o adorar. Tendo um pai distante e uma mãe mergulhada em melancolia e ilusões, quando adolescente Amory decide ir para um colégio interno de elite. De lá, vai para a Universidade de Princeton, onde desenvolve ambições literárias, se envolve em diversas e sucessivas paqueras, até conhecer o amor e a desilusão. Em certo ponto Amory se dá conta do castelo de cartas que era sua vida, bem como a sociedade em que vivia, superficial e mantida por aparências. Este livro, cuja primeira edição esgotou em três dias, definiu uma época e uma geração que tanto se identificou com ele. O mundo então sabia: nascia um gênio literário. Nota: 10

3. Ter e não ter, Ernest Hemingway
Mais um livro de Hemingway e mais um motivo pra ele ser um de meus autores preferidos. O protagonista é um típico personagem que o escritor americano adorava retratar: um homem durão, devotado à família e com a vida intrinsicamente ligada ao mar. Harry Morgan, vivendo entre Havana e a Flórida, convive diariamente com pescadores, bêbados, arruaceiros, prostitutas, mas também com comandantes de navios de luxo e milionários alienados que queimam dinheiro no litoral - uma fauna humana tão recorrente no trabalho de Hemingway, e que sabemos que guarda diversas semelhanças com pessoas que conviveram bastante com ele. O livro traz uma ação forte e faz menção a questões políticas, o que fica perfeito com o diálogo contundente que é marca registrada de Ernest Hemingway, combinado com uma prosa direta, enxuta, sem muitos rodeios. Legítimo e brutal como a propria vida do escritor.
Nota: 10

2. Fahrenheit 451, Ray Bradbury
Uma das distopias mais conhecidas e mais importantes, a obra-prima de Ray Bradbury apresenta um mundo horrível em que livros são inimigos e incinerados pelos bombeiros, as pessoas se comportam como zumbis diante das televisões (que são as coisas mais importantes dentro de uma casa) e podem se distrair da apatia da vida cotidiana dirigindo a 200 km/h. Neste cenário futurístico desolador vive o bombeiro Guy Montag, desolado pelo tédio de sua vida e pela convivência com sua mulher, que vive inerte frente a uma televisão. A partir do contato com Clarisse, uma jovem vizinha, Montag passa a refletir e se indignar com a doentia ordem vigente - claro que isso trará graves consequências. Um livro duro, sufocante, essencial em tempos sombrios como os que vivemos.
Nota: 10
1. Travessuras da menina má, Mario Vargas Llosa
Que livro! Senhoras e senhores, que romance. Algo que só um escritor do quilate de Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura de 2010, pode conceber. Acompanhamos aqui a nada convencional estória de amor entre Ricardo e Lily - ele, peruano que vai morar em Paris ainda jovem e trabalha como intérprete e tradutor; ela, uma aventureira que surge a cada década em uma cidade diferente com uma identidade diferente e vivendo uma vida completamente diferente da anterior. Ricardo conhecera Lily ainda na infância no tradicional bairro limenho de Miraflores, e a reencontrou novamente na revolucionária Paris dos anos 60, na Londres libertária dos anos 70, na cosmopolita Tóquio, e na Madri pós ditadura franquista nos anos 80. Este estranho amor cresce e se transforma ao longo dos anos,  cada vez que a menina má aparece e some na vida do bom menino Ricardo; ela envolvida em cenários de poder e riqueza, enquanto ele só tentava viver sua vida pacata. O enredo deste intrépido casal tem como plano de fundo as transformações sociais da Europa e a turbulenta política da América Latina (incluindo Revolução Cubana, golpes de estado na América do Sul e grupos de guerrilha. Numa dança de encontros e desencontros, a narração magistral de um dos maiores escritores do século XX.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Filmes pro final de semana - 20/12

1. Ensaio sobre a cegueira (Blindness, 2008)
Um homem para no sinal de trânsito. O sinal abre, mas ele não sai do lugar. Os outros motoristas começam a buzinar, alguns pedestres vão até ele para saber o que há de errado. O homem afirma que ficara subitamente cego, como se uma luz branca inundasse seus olhos. Mais tarde ele é avaliado por um médico (Mark Ruffalo), que não vê nenhuma alteração no exame e fica perplexo diante da cegueira. Antes de dormir, o médico também fica cego - assim como todas as pessoas com quem o primeiro homem teve contato. A doença é contagiosa e atinge a todos gradativamente, exceto a mulher do médico (Julianne Moore), que esconde este fato e finge também estar cega. Os cegos então são levados para um hospital desativado para ficarem de quarentena, e lá aos poucos eles vão sendo guiados pelos instintos de sobrevivência e deixam de lado ética, compaixão e dignidade, perdendo o que outrora os caracterizava como humanidade e civilização. Excelente adaptação feita por Fernando Meirelles da obra imortal de José Saramago.
Nota: 10
2. J. Edgar (2011)
Nos anos 20, a chamada polícia federal dos Estados Unidos era quase uma piada. Faltava estrutura, funcionários e principalmente o poder de atuação que é tão famoso nos dias de hoje. Tudo mudou com o brilhante e ambicioso John Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) que entrou na agência como assistente do diretor e não tardou a ocupar o cargo do chefe. No comando do FBI, Hoover criou o conceito de uma polícia moderna, investigativa e com a capacidade de cruzar e gerar dados dos cidadãos como nenhuma outra no mundo. Tamanha dedicação lhe rendeu a segurança no cargo por nada menos que 48 anos, só deixando a diretoria da agência no caixão. Em todo esse tempo os Estados Unidos tiveram oito presidentes e mais de vinte secretários de Estado, todos devidamente investigados por Hoover, que encomendou dossiês sobre a vida de quase todas as figuras públicas do país – apesar dos feitos heroicos, o diretor também tinha um lado obscuro que incluía ir contra Martin Luther King e a luta pelos direitos civis. É essa uma das qualidades do filme: a imparcialidade. A direção de Clint Eastwood expõe as várias facetas de Hoover através da atuação fenomenal de DiCaprio, mostrando além de sua trajetória, a fonte de várias contradições da personalidade complexa e fascinante que foi J. Edgar Hoover.
Obs: na minha opinião, a atuação de DiCaprio foi a melhor desse ano, junto com a de Ryan Gosling em Drive. Nenhum dos dois atores foi indicado ao Oscar.
Nota: 9,5/ 10
3. Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999)
Este longa de 1999 é centrado em Manuela (Cecilia Roth), enfermeira que perde seu único filho num acidente depois de assistir à peça Uma rua chamada pecado. Ela então vai à Barcelona em busca do pai do garoto para dar a notícia, mas não o encontra; quem ela reencontra é a travesti Agrado (Antonia San Juan), sua amiga de muitos anos atrás, e através de quem conhece a freira Rosa (Penélope Cruz), que descobre estar grávida e soropositiva. Manuela se vê mantendo Rosa sob seus cuidados e responsabilidade ao mesmo tempo em que se aproxima do elenco de Uma rua chamada pecado, cuja protagonista Huma (Marisa Paredes) vive Blanche DuBois dentro e fora dos palcos. Com referências ao cinema clássico, Almodóvar mais uma vez constrói perfis femininos através da ótica de um homem crescido entre mulheres, especialmente a figura materna simbolizada por Manuela. O resultado é um filme maravilhoso, vencedor do Prêmio de direção de Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Nota: 10
4. Os Bons Companheiros (GoodFellas, 1990)
Violento, brutal, e estranhamente carismático. Um dos melhores filmes de Scorsese aborda a escória da máfia, gângsters nascidos no subúrbio que em nada lembram a elegante e cavalheiresca máfia romantizada em outras obras. Henry (Ray Liotta) desde garoto sabia que queria entrar na máfia e ter todos privilégios que o crime lhe proporcionaria, e ao lado de seus amigos Tommy (Joe Pesci) e Jimmy (Robert De Niro) ganha experiência e uma extensa ficha criminal que inclui agressão, extorsão, assassinato e tráfico de drogas. A amizade dos três beira a fraternidade, as famílias se dão muito bem, mas nem mesmo uma organização criminosa com base tão sólida pode ser resitente a tudo. A ascensão social a partir da máfia, o status que representa a gangue, as relações entre as personagens e a forte violência são mostradas com maestria e com um humor um tanto irônico. (Funny? Funny how, motherfucker?)
Nota: 10
5. O demônio das onze horas (Pierrot le fou, 1965)
Em homenagem a Anna Karina, falecida recentemente, falemos sobre um de seus melhores filmes. A história se desenvolve a partir da fuga de Ferdinand (Belmondo), um professor universitário que deixa pra trás a vida burguesa para cair na estrada com sua amante Marianne (Anna Karina). Se a Nouvelle vague queria quebrar princípios e reinventar o cinema, é só ver Pierrot para saber que eles conseguiram. A linearidade da história, marcada pela narração dos protagonistas, que se revezam  nos contando seus fatos e pensamentos, é quebrada várias vezes. Como bom filme de estrada, o que não falta aqui é filosofia e interrogações, até porque Godard mantém o padrão de diálogos que mais parecem interrogatórios. O casal de fugitivos é feliz? O que eles esperam do futuro? Afinal, Marianne corresponde aos sentimentos de Ferdinand? E mesmo sendo tantas as perguntas, as deixamos de lado porque parece que eles querem apenas seguir em frente, vendo beleza onde ninguém mais vê e estando lado a lado na jornada.
Obs: o título brasileiro não é mais uma viagem dos tradutores; é o nome do livro no qual se baseia o filme.
 Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Filmes pro final de semana - 18/01


1. Minha vida em Marte (2018)
Vamos aplaudir as comédias nacionais. Os ótimos Mônica Martelli e Paulo Gustavo reaparecem como Fernanda e Aníbal quatro anos depois de Os homens são de marte... e é pra lá que eu vou, com a protagonista casada e mãe de uma filha. Desde o início do filme percebemos a grave crise do casamento de Fernanda e Tom (Marcos Palmeira) e suas tentativas de salvar a união. O longa então acompanha o dilema de Fernanda entre persistir com a ansiedade de seguir com alguém e a necessidade de ser feliz consigo mesma. Tudo isso em meio a cenas e diálogos hilários, em sua maioria divididos com a personagem de Paulo Gustavo, seu melhor amigo e eterno companheiro. E é nisso em que foca boa parte do filme: o valor inestimável de uma amizade verdadeira.
Nota: 7,5/ 10
2. 007 contra Spectre (Spectre, 2015)
Apesar de minha antipatia a filmes de ação, sou um grande fã da franquia 007, especialmente dos filmes estrelados por Daniel Craig nos últimos 14 anos. Em Spectre temos James Bond afastado do trabalho após uma operação não oficial que resultou em um tremendo estrago; o espião segue pistas que parecem pontas soltas mas que o levam a uma organização criminosa de imenso poder e alcance, que parece estar ligada a diversos problemas enfrentados anteriormente por ele - tanto da espionagem como pessoalmente. Por trás dessa organização há o maligno Franz Oberhauser (o sempre excelente Christolph Waltz), que tem clara obsessão por destruir Bond. O filme é sensacional. Quase tão bom quanto Skyfall, Spectre traz elementos clássicos da franquia, o formato tradicional e os amados clichês como os apetrechos, carros esportivos e estonteantes Bondgirls - aqui, uma sensacional: a maravilhosa Léa Seydoux.
Nota: 8,5/ 10
3. Carol (2015)
Um filme lindo, triste, sensível e abrilhantado pelo descomunal talento de suas protagonistas. Carol Aird (Cate Blanchett) é uma mulher rica e de personalidade forte que está se divorciando de seu marido Harge (Kyle Chandler), um empresário com quem tinha uma relação fria, em que a maior realização foi a filha Rindy. Às vésperas do Natal, enquanto procurava um brinquedo para sua filha, Carol conhece a jovem Therese Belivet (Rooney Mara), vendedora de uma loja de departamentos; imediatamente uma desperta interesse pela outra, e em pouco tempo se apaixonam. Em meio à Nova York dos anos 50, com toda sua ignorância e preconceito, o casal acaba enfrentando difíceis obstáculos, como Harge, que ameaça proibir que Carol se aproxime da filha. Através de uma direção meticulosa e das perfeitas atuações, o filme é marcado pela gentileza e suavidade, sem extravagâncias, onde um simples olhar pode dizer muito. Absolutamente encantador.
Nota: 9,5/ 10
4.  What Happened, miss Simone? (2015)
Um documentário do Netflix que todo mundo deve assistir. Uma história de vida dramática que todos devem conhecer. A vida de Eunice Waymon, consagrada com o nome artístico de Nina Simone, se confunde com a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Nascida nos anos 30 em uma pequena cidade da Carolina do Norte, a pobre menina negra aprendeu a tocar piano na igreja com apenas quatro anos. Aos sete, numa apresentação, chamou a atenção de uma senhora branca, que passou a lhe ensinar os maiores mestres da música clássica. Na mesma ocasião, conheceu o preconceito - seus pais tiveram de se sentar na última fila. Recusada por um conservatório, ela acabou tocando e cantando em bares, onde foi descoberta e a partir de então projetada como uma estrela. O casamento conturbado, a difícil relação com os filhos, a forte presença no movimento negro e a luta contra os próprios demônios são os grandes elementos muito bem abordados pelo filme que ajuda a preservar a memória de quem foi uma artista única e uma mulher mais singular ainda.
Nota: 9,5/ 10
5. Ela (Her, 2013)
Sem dúvidas um dos melhores e mais bonitos filmes dos últimos anos. Theodore (Joaquin Phoenix) é um solitário escritor que acaba se apaixonando por um sistema operacional (OS). O filme é ambientado num futuro próximo, onde a tecnologia é sutilmente mais avançada que no presente, e os sistemas operacionais são grandes facilitadores da vida das pessoas. Samantha (voz de Scarlett Johansson), o OS de Theodore, dotado de voz feminina e personalidade, acaba por envolver seu dono. A ideia do amor entre um homem e um software parece totalmente plausível, apesar de uma certa estranheza com que muitas pessoas encaram a relação. A proposta é fazer pensar na relação de dependência com a tecnologia além de, claro, afirmar que toda forma de amor vale a pena.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Filmes pro final de semana - 21/12

1. Me chame pelo seu nome (Call me by your name, 2017)
Todo ano no verão, Elio (Timothée Chalamet) e seus pais vão para sua casa de campo na Itália, onde seu pai, que é professor universitário, recebe algum aluno de pós graduação para orientar. No verão de 1983 a família recebe o americano Oliver (Armie Hammer), que logo inicia uma ótima relação com todos, e que desperta sentimentos mais intensos em Elio. À medida em que vai compreendendo seus sentimentos por Oliver, Elio se aproxima do americano e eles descobrem um sentimento mútuo. Temos aqui um lindo filme sobre a descoberta da sexualidade e que aborda a temática LGBT de uma forma um pouco diferente do convencional: menos ativista (o que despertou algumas críticas negativas) e que traz a naturalidade com que o tema deve ser tratado - demonstrado também no apoio que Elio recebe da família, especialmente em uma cena lindíssima que consegue com facilidade arrancar algumas lágrimas de quem assiste.
Nota: 10
2. Lady Bird: A hora de voar (Lady Bird, 2017)
Um dos filmes mais adoráveis do ano acompanha a adolescente Christine (Saoirse Ronan), que está concluindo o ensino médio em meio a crises existenciais, atritos familiares esperados para alguém de sua idade e um desejo imenso de sair de sua pequena cidade para cursar a faculdade em um ambiente bem mais cosmopolita. Auto batizada de Lady Bird, Christine é uma típica garota (e típica personagem nessa categoria de filme) que está chegando À maturidade tendo que lidar com uma mãe supercontroladora, uma escola religiosa onde não se sente muito confortável, os desafios do primeiro namoro e as cobranças e expectativas de quem está saindo da escola e pretende ir para a universidade. Tudo isso em um filme com um roteiro leve, despretensioso, que sabe que está abordando um tema que não é novidade e que o faz de uma maneira original, divertida, mas sem a sensação de que está descobrindo a roda. Ponto para Saoirse Ronan, uma grande promessa da nova geração de atrizes, e ponto para a queridíssima Greta Gerwing, que assina a direção e o roteiro deste que é um dos filmes mais cool da década.
Nota: 10
3. A forma da água (The shape of water, 2017)
Não há dúvidas de que o vencedor do Oscar desse ano divide (e muito) as opiniões sobre si. Há quem diga que é só uma mistura de ficção científica com romance, da mesma forma que há quem diga que é uma linda história de amor e superação de desafios em nome do amor. O filme é centrado em Elisa (Sally Hawkins), uma zeladora que trabalha em um complexo tecnológico militar americano na época da Guerra Fria. Elisa é muda, tímida e vive fechada em seu mundo, e tem poucos amigos. Mas quando os militares trazem para o laboratório um ser místico da América do Sul, Elisa descobre uma transformação dentro de si - ela se afeiçoara de uma forma bastante especial pela criatura. Preocupada com os interesses cruéis dos cientistas e comandantes pelo estranho ser, ela decide, junto de um vizinho e de sua colega Zelda (a sempre ótima Octavia Spencer) salvar seu amado e devolvê-lo à natureza. Aqui o diretor Guillermo del Toro explora mais uma vez o território da fantasia para dedicar uma obra aos incompreendidos e desajustados, com uma linguagem surpreendentemente poética.
Nota: 10
4. Três anúncios para um crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017)
Cara, que filme. Filmaço. Que enredo e que atuações. O filme que deu a Frances McDormand seu segundo Oscar de melhor atriz é uma estória carregada de dor, ressentimento e desejo de justiça e vingança. McDormand interpreta Mildred Hayes, uma mãe que há meses convive com o luto após perder sua filha em um crime bárbaro, até então sem esclarecimento. Cansada da falta de respostas por parte da polícia, ela aluga 3 outdoors em uma estrada na saída da cidade para chamar a atenção sobre a lentidão da investigação. Os anúncios fazem com que não se fale em outra coisa na cidade... e atrai para Mildred muita raiva por parte dos moradores, que consideram uma ofensa pessoal contra o delegado, que é um cara muito bem quisto e que fora diagnosticado com um câncer terminal. Mildred não esmorece, demonstrando uma força descomunal para resistir aos ataques contra si, e continuar a lutar por justiça para sua filha. Uma personagem incrível que trouxe uma atuação inesquecível.
Nota: 10
5. Gran Torino (2008)
Saindo da lista do Oscar desse ano, temos aqui um filme que antes de tudo merece ser chamado de filme adulto. Não, não tem nada a ver com pornografia. Tô falando de um filme maduro, consistente, rígido de tão firme que é. Nosso conhecido de longa data Clint Eastwood dirige o filme e dá vida ao protagonista Walter Kowalski, um aposentado veterano da Guerra da Coreia que se torna viúvo e mora sozinho num subúrbio de Detroit. Walter é rabugento racista, extremamente solitário, não mantém boas relações com a família e muito menos com sua vizinhança - o bairro decadente em que mora se tornara refúgio de imigrantes asiáticos. A rotina de Walter se resume a cuidar da casa, beber cerveja na varanda, sair com sua cadela (sua única amiga) e cuidar de sua paixão, um Gran Torino 1972 que ele próprio ajudou a montar quando trabalhava na Ford. Surpreendentemente, Walter começa a se aproximar da família vizinha após atitudes inesperadas de ambas as parte. Passamos a ver uma transformação do protagonista, deixando pra trás sua xenofobia e outros preconceitos, percebendo que aqueles imigrantes que ele antes desprezava tem muito mais em comum com ele do que os próprios filhos.
Nota: 10
[Bônus de Natal] 6. O Natal do Mickey Mouse (Mickey's Christimas Carol), 1983
Baseado na obra imortal de Charles Dickens, o curta da Disney traz Tio Patinhas na figura do rico Ebenezer Scrooge (Tio Patinhas), velho, egoísta e solitário, que acumulou fortuna às custas de trabalhadores mal-remunerados e golpes em viúvas em crianças órfãs. A maldade de Scrooge era tamanha que ele roubou o falecido sócio (Pateta) e usou o dinheiro do enterro, jogando o corpo do defunto no mar. Um dos mais dedicados empregados do velho é o pobre Bob Cratchit (Mickey), que sustenta sua família precariamente com o péssimo salário pago pelo patrão. Na véspera de Natal, Scrooge espanta coletores de donativos, briga com parentes e aborrece funcionários, como sempre, sem imaginar o que lhe aconteceria horas depois. Depois de dormir, Scrooge foi visitado pelos fantasmas do Natal passado (Grilo falante), presente (Willi, o gigante) e futuro (Bafo), que lhe mostraram todas suas maldades e as consequências que elas trariam se o velho não mudasse seu comportamento para com o próximo. Beleza que todo mundo já viu, que a Globo sempre passa antes da Missa do Galo, mas nem isso tira a beleza da história ou do filme.
Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos

domingo, 31 de dezembro de 2017

Sobre 2017, seus altos e baixos e alguns filmes

Vou começar este texto de fim de ano com sinceridade: eu não sei sobre o que escrever. Não assisti a Retrospectiva 2017 da Globo, minha memória anda ruim, então eu espero que à medida em que escrevo, vá lembrando de coisas importantes desse ano de muitas emoções. Muitas. De todos os tipos.
Conforme esperado, a crise político-financeira de nosso País piorou. Piorou muito. Maldito seja Tiririca e seu "pior do que tá não fica". O que já era errado ficou nojento de tão escancarado, explícito e sem vergonha nenhuma. Assistimos perplexos à delação dos Irmãosley - Wesley e Joesley - Batista, mostrando até onde chegava a corrupção do governo Temer e de seus principais aliados. Malas de dinheiro destinadas ao mais alto escalão do executivo, do legislativo e a crápulas já presos, como o embuste-mor da República, Eduardo Cunha, que estaria recebendo milhões da JBS para manter a boca fechada e não delatar o ninho de cobras de Brasília. Enquanto o povo esperava que alguém voasse, a única coisa que voou foi o dinheiro público, já que centenas de deputados foram comprados duas vezes para impedir a autorização da investigação do presidente e de alguns de seus ministros pelo Supremo Tribunal Federal. Relembrando áudios de Sérgio Machado gravados no ano passado, onde ele dizia que "o primeiro a ser comido" seria Aécio Neves, não foi bem assim que a coisa aconteceu. O senador, gravado pedindo 2 milhões de reais e afirmando que quem deveria buscar o dinheiro era alguém que fosse morto antes de fazer delação, teve o mandato suspenso mas foi posteriormente absolvido por seus pares do Senado.
Aproveitando o tema STF... quanta decepção. Claro que a gente só podia lembrar do "grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo" ao ver ministros da suprema corte livrando tão facilmente algumas das piores caras de nossa política. Merece destaque aquele que teve tantos jantares particulares com Temer, que recentemente soltou ex-governadores do RJ e que levou um belo chega-pra-lá do ministro Barroso, que categoricamente afirmou que seu colega tem "parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco". Além disso, o Supremo fez o favor de liberar ensino religioso no Brasil, e de uma forma que não garante que várias religiões sejam debatidas, como seria mais correto; podemos afirmar que será uma imposição de cristianismo. Vá embora de vez, estado laico.
Pois é, gente. Apanhamos, e a porrada veio de todos os lados. Corrupção, piora dos serviços públicos, aumento abusivo de impostos, enquanto isenções eram concedidas a grandes empresas - o que falar de 1 trilhão em isenção ao longo de 25 anos pras exploradoras do pré-sal? Ao mesmo tempo, o gás de cozinha ficou cada vez mais caro, prejudicando principalmente os mais pobres. Que seja lembrado o caso de um senhor em Pernambuco que comprou um botijão em um vendedor clandestino para não pagar tão caro, mas houve um vazamento seguido de explosão que matou três pessoas e feriu os demais moradores na residência. Reflexos do golpe de 2016. Afinal, não foi um golpe só contra Dilma, mas contra os pobres, os trabalhadores, os negros, as mulheres e os LGBT.
E num ano com tantos desafios, cada oportunidade de rir era aproveitada. Deus abençoe o menino que gerou o meme do "caindo ao som de sweet dreams", um dos melhores dos últimos anos, e a dona e proprietária da internet, Gretchen, que zerou a rede ao estrelar um clipe de Katy Perry (que é muito melhor que o clipe oficial. Amém). E por falar em música, teve Anitta e Pabllo Vittar pra mostrar porque se deve lutar por representatividade - algumas vitórias contra o conservadorismo, né? E por falar em luta, nossos aplausos e nosso respeito às mulheres que denunciaram assédio e abuso na indústria de Hollywood e também na televisão brasileira. Respeita as mina!
Pra encerrar, meu maior conselho pra 2018: se cuidem, galera. Do corpo e da mente. Em um ano de tantas histórias tristes envolvendo saúde mental e desfechos trágicos como suicídio, a minha mensagem é um pedido pra que vocês não deixem passar suas próprias necessidades por priorizarem outras coisas como estudos, trabalho ou algum problema. São importantes? Claro que sim. Mas nada é mais importante que cuidar de si mesmo, e depois disso, cuidar das pessoas que nos cercam. Pessoalmente falando, esse foi um ano realmente cheio de altos e baixos,e com uns baixos que me fizeram tremer. Talvez eu tenha passado pelo pior momento de minha vida, mas com tempo, fé e pessoas queridas, a vida segue em frente. E alegria nesse ano também não faltou. FORMEI, GENTE! Depois de seis anos de faculdade (e desse querido blog que me deu uma baita ajuda nesse tempo), sou médico. Muita coisa boa aconteceu na contagem regressiva pro final do curso, muitas festas, lágrimas de alegria, e a formatura foi uma semana positivamente inesquecível.
Talvez este seja o último post de nosso blog. Ou não, mas sei que ficarei um bom tempo sem escrever por aqui. Então me despeço agradecendo a companhia ao longo dos últimos seis anos neste projeto que muitas vezes me fez esquecer problemas, além de tirar minha cabeça das obrigações cotidianas e me distrair ao escrever sobre cinema, literatura, música e algumas besteiras. Um 2018 de muita paz, saúde e realizações pra todos.
E pra não perder a prática, a recomendação de cinco filmes pra ver no fim de semana, no meio da semana, em qualquer hora. Filmes excelentes que o Sagaranando aprova, recomenda e assina embaixo.


1. Que horas ela volta? (2015)
A história é centrada em Val (Regina Casé), empregada doméstica numa casa de classe média alta em São Paulo que há mais de dez anos deixou sua família em Pernambuco em busca de trabalho que lhe permitisse dar melhores condições ao futuro de sua filha. Val praticamente criou Fabinho (Michel Joesas), filho de seus patrões, que nunca tinham tempo para o menino. Quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), chega em São Paulo para fazer o vestibular e fica na casa da família rica, acaba o sossego de Val e da patroa. O interesse que ela desperta nos homens da casa e a insubordinação diante da mãe, que considera uma estranha, cria uma tensão que perdura por boa parte do filme, que trata de maneira brilhante de temas como migração motivada por pobreza, relações familiares e a íntima e complexa relação entre patrões e empregados domésticos (mostrando que casa grande e senzala ainda perduram no País).
Nota: 10
2. O Escafandro e a Borboleta (Le scaphandre et le pappillon, 2007)
Uma nova definição de filme lindo. Sensibilidade é a palavra chave da história de Dominique Bauby (Mathieu Amaric), que depois de sofrer um derrame é vitimado pela raríssima síndrome do encarceramento, em que todo o seu corpo fica paralisado, exceto os olhos - sendo que todas as faculddes mentais ficaram preservadas. Para completar, seu olho direito precisa ser ocluído para evitar um ferimento na córnea, e ele fica dependente apenas do esquerdo. Com a ajuda de uma fonoaudióloga, Dominique aprende a se comunicar através de um sistema lento, mas eficiente, a partir do piscar de seu olho. Através da narração de Dominique, vemos como foi sua vida, os diversos erros que ele cometeu com seus entes queridos, a rua relação com seu pai e seus filhos, a amante que nunca o visitou depois da doença e a sua obstinação em compor um livro que se tornaria best-seller. Baseado em fatos reais.
Nota: 10
3. A vida dos outros (Das Leven der Anderen, 2006)
Pense duas vezes antes de dizer que o cinema não é mais o mesmo e que já não se produzem inesquecíveis obras-primas. A vida dos outros tá aí pra provar que o cinema de alta qualidade ainda resiste. Com roteiro e direção de Florian Henckel von Donnersmarck, um desconhecido até então, o filme é ambientado nos anos 80 na Alemanha Oriental, onde a Stasi, uma das mais controladoras polícias secretas da Cortina de ferro tocava o terror numa época em que não havia o menor indício de abertura política. O capitão da Stasi Gerd Weisler (Urich Müher) recebe a missão de espionar um dramaturgo e sua esposa, que é atriz, e se instala no mesmo prédio em que o casal mora, no andar de cima, ouvindo tudo o que se passa na casa deles. O que inicialmente era apenas uma missão e encarado com escárnio se transforma numa relação unilateral de solidariedade, levando o espião a duvidar de toda sua ética e crença no partido totalitário e questionar um estilo de vida sem liberdade e sem direito à individualidade. Em poucas palavras: um filme excepcional. Infinitos elogios ao roteiro, à direção e à atuação de Mührer, que era um experiente ator de teatro na Alemanha (inclusive fora espionado durante a Guerra Fria) e que infelizmente faleceu um ano após o lançamento do filme.
Nota: 10
4. Cabaret (1972)
Pra um público que viu o festival de alegria que é Catando na chuva na década de 50 e a fofura bonitinha demais que é Minha linda dama nos anos 60, imagine o choque ao chegar em 72 e ver Cabaret, que sai de cenários elegantes e vai para o subúrbio da Berlim dos anos 30, onde um país arrasado pela Guerra e pela Depressão era campo fértil para a disseminação das ideias totalitaristas e racistas de Hitler. Nesse rebuliço, Brian Roberts (Michael York), jovem americano, chega em Berlim para dar aulas de inglês, e logo conhece Sally Bowles (Liza Minelli), estrela do Kit Kat Club, a casa de shows mais animada da cidade. Sally é uma dançarina que sonha em ser uma grande atriz - típico, não? Mas a história do diretor Bob Fosse consegue ser surpreendentemente original, com seus ótimos números musicais que floreiam amores incompreendidos e ambição; é como diz uma das músicas: "money makes the world go round!". Cabaret também se destaca por dividir os holofotes do Oscar de seu ano com O Poderoso Chefão, faturando os prêmios de direção, atriz, ator coadjuvante (Joey Grey, mestre de cerimônias do Kit Kat e figura essencial no filme), entre outros. 
Nota: 10
5. Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960)
Lembrei desse filme incrível porque já faz um tempo que o vi e não seria nada mal revê-lo (vou seguir minha própria recomendação). Escrito e dirigido por Billy Wilder, o filme acompanha o simpático C. C. Baxter (Jack Lemmon), funcionário de uma seguradora que caiu nas graças dos chefes por emprestar a eles seu pequeno apartamento ocasionalmente, por algumas horas, para que eles se encontrassem com suas amantes. As coisas se complicam quando Baxter se apaixona por uma dessas amantes, que também era sua colega de trabalho (Shirley MacLaine), e pela primeira vez questiona sua amoralidade diante dos favores que fazia a seus superiores - devidamente recompensados com promoções. Comédia imortal vencedora de cinco Oscars, incluindo melhor filme, roteiro e direção.
Nota: 10
Luís F. Passos

sábado, 30 de dezembro de 2017

Cinco livros em 2017

Bem amigos do Sagaranando, mais um ano se vai e aqui estamos mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia pra comentar algumas coisas desta última volta da Terra ao redor do sol. Neste primeiro de dois posts sobre essa montanha russa chamada 2017, vamos comentar sobre alguns livros que tive o prazer de ler - além da alegria de ter lido um pouco mais nesse ano. Apesar do tempo curto na maior parte do ano, da correria da faculdade e da ocupação pré - formatura (formei, mas isso é assunto pra amanhã), 2017 rendeu ótimas leituras, e em um número um pouco maior do que nos últimos dois anos. Vamos às cinco obras que mais gostei:

5. O velho e o mar, Hernest Hemingway
Uma das maiores obras de Hemingway, este livro de menos de cem páginas figura entre os livros mais importantes do século. O velho e experiente pescador Santiago, depois de fixar 85 dias sem pescar um único peixe, se lança ao mar e se vê diante de um dos maiores desafios de sua vida. Ele pesca um marlin gigantesco que arrasta seu barco por dias, ao longo dos quais é estabelecida uma relação de respeito, ao mesmo tempo em que o pescador enfrenta seus próprios limites num enorme esforço de dominar sua presa. Essa é a essência do livro: a luta do homem contra a natureza e também contra sua própria natureza e sua própria essência. Um livro incrível,  exemplo do que o bom e velho Hemingway conseguia fazer de melhor.
Nota: 10
4. Cândido ou O Otimismo, Voltaire
Acho que posso dizer que este livro define genialidade. Usando de um sarcasmo aguçado, Voltaire narra a história do jovem Cândido, que morava em um castelo e era aprendiz do sábio Pangloss, que o instruiu sobre ser otimista a respeito das situações e das pessoas - claramente puro veneno para criticar Rousseau, a quem Voltaire se opunha. Cândido, seu mestre e sua amada Cunegundes comem o pão que o diabo amassou em diversas circunstâncias e em vários lugares diferentes. Apesar disso, nosso intrépido herói insiste em permanecer otimista e esperar o melhor das pessoas ao seu redor. Uma obra magistral em que não faltam críticas à filosofia, a monarquias, religiões,  exércitos e diversos setores da sociedade. Cinismo e sarcasmo do jeito que a gente gosta.
Nota: 10
3. Olhai os lírios do campo, Erico Verissimo
O primeiro romance de um dos mais queridos escritores gaúchos foi um sucesso imediato, e não é difícil imaginar o motivo. A vida de Eugênio Fontes é marcada pela pobreza, ascensão social e conflitos de consciência. Nascido na pobreza, Eugênio sofre humilhações pelas roupas velhas e remendadas, pela submissão e passividade dos pais, pela diferença de suas condições de vida e de seus colegas. Com muito esforço,  Eugênio se forma em medicina e se apaixona por uma colega de turma, Olívia,  mas acaba se casando por interesse com Eunice Cintra, herdeira de uma rica herança. Eventos inesperados fazem Eugênio repensar sua vida, sua trajetória e o verdadeiro significado de felicidade. Uma história um pouco triste, mas sensível, bela e envolvente.
Nota: 10
2. O sol é para todos, Harper Lee
O clássico de Harper Lee é um dos livros mais amados pelos leitores dos Estados Unidos e é conhecido e querido em todo o mundo. A bela estória de Atticus Finch, advogado de uma pequena cidade do Alabama, é narrada pelo olhar de sua filha Scout, que era uma criança na época dos acontecimentos da narrativa. Nos anos 1930, quando os direitos civis para os negros ainda eram um sonho distante, Atticus assume a defesa de um homem negro acusado de estupro, em um caso cheio de falhas, onde o que mais pesava para a acusação era a cor da pele do réu. Além do desafio no tribunal, o advogado ainda enfrenta o preconceito e o ódio de várias pessoas da cidade que abominavam o fato dele representar um cliente negro, acusado de um crime de tal gravidade. O enredo é conduzido com uma delicadeza singular e carrega um pouco da inocência que Scout tinha na infância, fase cheia de descobertas e aprendizado, em que ela e seu irmão têm a oportunidade de descobrir a importância de se livrar de preconceitos e dar valor às pessoas pelo que são, e não pelo que aparentam ser. Obra fundamental em tempos de tanta intolerância, como o que vivemos atualmente.
Nota: 10
1. Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa
Depois de anos, reli meu livro favorito, por dois motivos: vontade de reler e vontade de escrever sobre ele no aniversário de seis anos do blog. Seis anos depois da primeira vez que o li, a emoção foi praticamente a mesma, e a satisfação foi ainda maior. Neste (único) romance de Guimarães Rosa acompanhamos a narrativa do ex jagunço Riobaldo, já idoso, sobre sua vida: breve relato da infância e adolescência e um extenso relato sobre seus anos na jagunçagem no grande grupo de Joca Ramiro, a morte deste pelas mãos de traidores, os desafios para obter a vingança e a confusão de sentimentos para com Diadorim, companheiro de bando, grande amigo, e no meio de tantos conflitos internos, seu grande amor.
A genialidade de João Guimarães Rosa usa um jagunço do sertão mineiro para examinar as profundezas da mente do homem e a partir daí elaborar uma estória da mais ampla universalidade. Os dilemas de Riobaldo atravessam tempo e espaço: amor e ódio, o que é o bem e o que é mal, a existência ou não de Deus e do diabo, a ideia psicanalítica do poder da vontade, entre outros. Tudo isso, associado à beleza da narração sobre a natureza local e principalmente do amor de Riobaldo por Diadorim ("Diadorim deixou de ser nome e virou sentimento meu") fazem deste um livro único, maravilhoso e inesquecível. Deixou de ser meu preferido? Nonada.
Nota: 10

Luís F. Passos