Como em 2014
acabei indo pouco ao cinema e vendo basicamente filmes que eu já tinha
assistido (obrigado, Clássicos Cinemark!) ou produções não tão boas assim,
acabei fazendo este top 10 – meu primeiro post em 2015 e também em muito tempo
aqui no blog – trazendo alguns dos filmes que vi, de modo geral, em 2014. Os
únicos critérios de inclusão relacionados a esta seleção são que todos são
filmes eu julguei como excelente e assisti pela primeira vez em 2014 (se fosse
considerar entre filmes que já vi em anos anteriores, a lista com certeza seria
bem diferente). Enfim, aqui vai minha singela seleção:
10. Praia do futuro (2014)
Excelente produção nacional com a
assinatura do muito talentoso diretor Karim Ainouz trouxe uma grande polêmica
desnecessária e vergonhosa ao cinema nacional, o que o tornou, na mesma medida,
um dos filmes mais comentados do ano de 2014. Esses comentários, infelizmente,
centraram-se mais no seu conteúdo “polêmico” do que por sua qualidade em si. O
fato é que é brilhante a história de autodescobrimento de Donato (Wagner
Moura), uma figura tão heroica na visão de seu irmão mais jovem, Ayrton
(Jesuíta Barbosa. Ator sensacional) que na verdade encontra-se dividido entre
as expectativas e pressões externas e seus desejos, anseios e, principalmente,
medos que o levam a tomar guinadas inesperadas e extremistas em sua vida é uma
produção bastante intimista e muito forte em sua temática, bem como em seu
visual memorável. Filme nacional imperdível de 2014, para mostrar a todos que
ainda acreditam que cinema nacional é só baixaria que nosso cinema é muito
competente sim.
9. Loucamente apaixonados (Like crazy, 2011)
Meu atual protegido. Loucamente
apaixonados centra-se no amor intenso de um jovem casal que parece,
simplesmente, perfeito um para o outro. A questão aqui é que este não é um
filme de romance tradicional, então, não, o amor não é o bastante. Entre Anna e
Jacob existem vários impedimentos que só os afastam cada vez mais. Por mais que
seja tentador se render aos desejos pessoais, todos sabemos que o mundo, na
maioria das vezes, conspira contra nossa felicidade plena. Então, entre o casal
temos impedimentos diversos, mas todos muito aplicáveis à vida real.
Impedimentos geográficos, laborais, pessoais e, principalmente, burocráticos
(poucas coisas são piores que burocracia excessiva) acabam distanciando
bastante o casal. Até quando o amor é capaz de suportar ao tempo, à distância,
à solidão e às frustrações? Um filme visualmente muito belo com atores bastante
entrosados. Um romance intimista, delicado, simples e bastante palpável. Não
tem a força dramática de um Blue Valentine, mas ainda se propõe a caracterizar
o amor de uma maneira real e moderna, sem deixar de lado a face bucólica e a
melancolia.
8. Darling – a que amou demais (Darling, 1965)
Passei anos tentando encontrar
este filme para download e só consegui fazê-lo em 2014 – foi o primeiro filme
que vi no ano. A espera com certeza valeu a pena e, apesar do enredo ser algo
totalmente diferente do que eu podia imaginar, Darling se mostrou um filme
excepcional. Apesar do título absurdamente dramático, um filme de nuances e
cinismo que se centra numa das protagonistas mais egocêntricas e aproveitadoras
que já vi. Julie Christie dá vida a sensual e esperta Diana Scott, uma mulher
capaz de tudo para conseguir o que ela quer. O único problema é: o que ela
quer? Insatisfeita crônica, Diana usa todos a sua volta para conseguir suprir
seus desejos frívolos. Enfim, um estudo de personalidade perfeito com a
elegância que só o cinema inglês possui, Darling ainda é bastante moderno e
ousado para sua época – muitas insinuações sexuais sem qualquer descrição e
personagens homossexuais também podem ser observados na trama. Vencedor do
Oscar de melhor atriz.
7. Martha Marcy May Marlene (2011)
Desconfortável. Instigante.
Ousado. Misterioso. Todos esses adjetivos podem ser aplicados a nebulosa trama
de Martha Marcy May Marlene. Num momento inspirado e definidor de carreira, a
jovem promissora Elizabeth Olsen (já fez umas bobagens de lá pra cá) nos traz
um conto forte e cruel através de um relato pouco preciso da vida dentro de um
culto secreto e violento em algum fazenda no meio de lugar nenhum. O filme
apresenta seu tema através das memórias confusas da destruída Martha (ou Marcy
May? Ou Marlene?) após sua fuga da organização. Tão interessante quanto o
retrato cortado do cotidiano no grupo é a relação conturbada e muito mal
explicada entre Martha e sua irmã (Sarah Paulson). Um filme que não se preocupa
hora nenhuma em dar respostas ao espectador, Martha Marcy May Marlene, como já
disse anteriormente no post completo dedicado a este, é como a ponta de um
iceberg.
6. Equus (1977)
Fantástica adaptação da peça
teatral homônima, Equus alia o talento lendário de Richard Burton como
protagonista e o talento lendário de Sidney Lumet na direção. O filme conta a
história e a relação intricadas entre um jovem com delírios psicóticos que
incluem, principalmente, uma alucinada adoração a cavalos, e seu psiquiatra
(Burton), confuso e pessoalmente afetado pela maneira com a qual o rapaz se entrega
a seu objeto de adoração e a seus desejos mais profundos. Um mergulho meio
perturbador numa mente psicótica, Equus é chocante, mas ao mesmo tempo
impossível de desviar os olhos. A trama prende o espectador o tempo todo e
também nos leva a refletir sobre temas contundentes. Obra indispensável.
5. O lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013)
Scorsese é Scorsese. Na sua
última produção, o diretor retoma a parceria genial com Leonardo DiCaprio para
fazer sua obra-prima do exagero. E quanto exagero. Contando a vida e obra de Jordan
Belfort, uma figura das finanças que fez sua fortuna por modos muito pouco
tradicionais, digamos assim, Scorsese abusa de tudo, principalmente de sua
genialidade. A estrutura de edição e técnica do filme remete ao estilo do
diretor, assim como pontos na trama que lembram os fãs de obras anteriores como
Os bons companheiros e Cassino, mas em O lobo de Wall Street Scorsese
bombardeia o espectador com palavrões, sexo, drogas, sexo, drogas, palavrões,
drogas, sexo, sexo, drogas, palavrões, palavrões, palavrões e, pra finalizar,
mais um pouquinho de sexo e drogas. Ufa. O ponto é que todo esse exagero imoral
torna a trama divertidíssima, bastante interessante e muito criativa. Um filme
mais cômico que o normal para os padrões de Scorsese que não deixa muito a
dever a outros grandes títulos do diretor – sinceramente o vejo como o melhor
trabalho de Scorsese dos anos 2000 pra cá (talvez não por causa de Os
infiltrados). A cereja e ¾ do bolo é a atuação brilhante de Leonardo DiCpario,
mais digna que qualquer Oscar. Digna de respeito e admiração. Parabéns Leo e
Martin pelo filme mais divertido dos últimos tempos.
Um martírio para o espectador. O
sofrimento do nosso inocente protagonista, acusado de cometer um crime
terrível, é uma crueldade que parece que não vai ter fim. O grande ponto em A
caça não é o crime não cometido em si, mas é que nós, como espectadores,
sabemos desde o primeiro minuto que tudo aquilo não passou de uma sequência de
desentendimentos. Então, durante todos os minutos de sofrimento de Lucas (Mads
Mikelsen, genial) sabemos o tamanho da injustiça que ele está sofrendo. E não é
pouca. Humilhações, agressão física, tortura psicológica e desprezo social são
capazes de destruir qualquer pessoa. Uma genuinamente boa e inocente então,
ainda pior. Assistir A caça é quase um exercício de autocontrole, pois ver tal
atrocidade chega a ser revoltante. Filme de fortíssimas emoções, não o
recomendo para pessoas muito sensíveis, pois até as mais duronas se
sensibilizam com Lucas. Porém, devo dizer que aqui está um dos melhores filmes
dos últimos cinco anos, e, se o cinema como arte deve nos fazer sentir alguma
coisa, A caça nos traz sentimentos bastante fortes pra dizer o mínimo.
3. Através de um espelho (Såsom i en spegel, 1961)
Primeiro capítulo da famosa
trilogia do silêncio de Bergman, Através de um espelho é provavelmente um dos
melhores filmes do diretor. Com temática ampla e inovadora, traz
questionamentos genuínos ao espectador relacionados a um ponto central:
comunicação. Mais detalhadamente ainda, a falta de comunicação entre as pessoas
e com deus, o nome a que gritamos no escuro esperando ouvir alguma resposta,
que, aparentemente, jamais vem. Com apenas quatro personagens confinados numa
casa isolados do resto do mundo, Bergman vai os emergindo cada vez mais em seus
sofrimentos e suas frustrações. O que no primeiro minuto pareceu uma feliz
família, na verdade é composta por um escritor egocêntrico e insensível, seus
dois filhos – uma esquizofrênica e um adolescente tragado pela loucura da irmã
e distância do pai – e o marido de sua filha, derrotado pela incapacidade de
controlar a doença da mesma. Uma obra de arte em todos os sentidos, obrigatória
para cinéfilos.
2. O sétimo selo (Det sjunde inseglet, 1957)
É estranho, mas demorei um bom
tempo para ver o filme mais famoso de Ingmar Bergman. O sétimo selo é um dos
trabalhos mais inovadores do cinema, trazendo para o comodismo dos anos 50 um
universo totalmente novo de possibilidades a serem exploradas. Uma trama
complexa centrada num dos períodos mais negros da humanidade, é com O sétimo
selo que Bergman começa a abranger com maior totalidade sua temática preferida:
deus. Mais que deus, o silêncio de deus e o questionamento por sua existência
ou não. O jogo de xadrez de vida ou morte é uma marca forte na mente cinéfila e
uma metáfora perfeita para nossa relação infelizmente íntima com a mesma. A
morte, inclusive, é personagem vital para a trama de O sétimo selo, que nos
lembra bem da fragilidade de nossa existência e da ausência de respostas sobre
o que há além da vida. Melancólico, pesado e sombrio, também traz momentos de
leveza e até uma metáfora à algo como uma família sagrada – Bergman sempre
entre a fé cristã e a negação de Deus. Indispensável.
1. A onda (Die Welle, 2008)
Eu devo ter gostado muito desta
produção alemã para ter colocado-a acima de dois dos maiores filmes de Bergman.
Claro que isso não é sem motivo. Sou um grande fã do cinema alemão e acho que,
atualmente, é a indústria cinematográfica mais engajada em instigar o
espectador dentro do circuito do cinema europeu. Extremamente ousado e
audacioso, A onda é um tapa na cara de nossa petulância de nos acharmos muito
superiores ao período mais cruel do século XX – o nazismo. Não necessariamente
o nazismo, mas o fascismo em si. De um aparentemente simples trabalho de escola
sobre vivência numa organização fascista, a organização estudantil, como uma
onda, toma proporções desastrosas e perigosas que só podem levar a um caminho
de destruição. Vivemos numa época em que acreditamos termos superado os erros
do passado e muitos consideram impensável que algo como o nazismo possa
acontecer de novo, mas A onda nos prova o quão próxima a humanidade é do
extremismo, seja de qual tipo for. Só precisamos de um pequeno estímulo para romper
com esse aparente equilíbrio em que vivemos. Desagradável, porém uma lição que
merece ser aprendida. Não, não somos superiores.
Lucas Moura