domingo, 30 de junho de 2013

Hitchcock - nos bastidores de Psicose

Em 1959 o mestre do suspense lançara Intriga internacional (North by Northwest), que obtivera sucesso junto ao público e deixara a MGM muito satisfeita. Mas Alfred Hitchcock (Anthony Hopkins) mal saboreara seu último êxito e já procurava um roteiro que servisse de base para um novo projeto. Lhe ofereceram O Diário de Annie Frank, que foi recusado ("Os espectadores passarão todo o filme esperando o sr. Frank encontrar um cadáver no sótão"); ofereceram Cassino Royale de Ian Fleming, que viria a se chamar 007, e ele recusou ("Esse filme já existe, e se chama Intriga Internacional") e recusou outros roteiros que se pareciam com alguns de seus filmes anteriores, afirmando que "estilo é plágio de si mesmo".
A solução para seu problema vem de sua secretária Peggy (Toni Collette), que apresenta o livro Psicose de Robert Bloch, um lançamento que fora chamado de "diabolicamente divertido". Um livro baseado nos assassinatos reais de Ed Gein e que trazia brutalidade, travestismo, incesto e mais brutalidade. Vários estúdios haviam recusado a história, mas Hitchcock foi atraído por ela; leu o livro e decidiu que seria seu próximo filme. Sua esposa Alma (Helen Mirren), sua parceira de longa data, apresenta-lhe o novo livro de um amigo do casal, Whitfield Cook (Danny Huston), que poderia ser um filme de seu marido; Hitch recusa e Alma, apesar de achar Psicose um roteiro barato, o apoia na escolha. 
O problema é que a Paramount, com quem Hitchcock tinha um contrato, também recusa o livro. Insistiram que ele deveria fazer um filme mais convencional, e que não financiariam Psicose. Hitchcock, teimoso, resolveu tirar o dinheiro do próprio bolso, hipotecando sua casa e pondo em risco seu patrimônio. É nesse momento que Alma hesita pela primeira vez seu apoio incondicional a Alfred, mas apenas pergunta a ele o porquê da insistência. Passados os primeiros obstáculos, hora de escolher roteirista e elenco. Sugerem Joseph Stefano, frequentador assíduo de um psiquiatra por seus problemas em lidar com raiva, sexo... e sua mãe - fator decisivo para sua contratação. Para o papel de Norman Bates, Alma sugere Anthony Perkins (James D'Arcy), ator conhecido por estrelar filmes românticos e pela carinha de bom moço; ideal para esconder o monstro da personalidade de Norman. Na entrevista, Hitch descobre que Anthony era muito apegado à mãe quando criança, e se sentia culpado pela morte do pai, quando tinha cinco anos - e foi só falar isso pra ser contratado. Faltava agora a protagonista. A primeira opção foi Grace Kelly, que faria com que a censura amenizasse com o filme, mas o fato dela ter se tornado uma princesa a impedia de levar facadas num filme; depois de algum tempo, é Alma quem sugere Janet Leigh (Scarlett Johansson) para ser a loira Hitchcock da vez. No jantar que o casal teve com a atriz, fica visível a tristeza de Alma diante da empolgação de Hitch com sua nova protagonista, e ela passa a pensar na obsessão dele pelas loiras que ele transformou em estrelas.

 Toda a primeira metade do filme tem um caráter documental, mostrando as dificuldades encontradas por Hitchcock para realizar seu filme, e na continuação vemos os problemas pessoais que ele teve de lidar pela dedicação excessiva aos estúdios de gravação. Muito bom também ver toda a produção do filme que é ícone do terror até hoje, 53 anos depois: os estúdios quase lacrados, em que ninguém que não era da equipe podia entrar; a determinação de Hitch em comprar todos os exemplares de Psicose para que ninguém soubesse o fim da história; a inesquecível cena do chuveiro, que demorou uma semana para ser gravada e editada; a briga do diretor com a censura; e a engenhosidade dele para divulgar o filme e provocar a curiosidade do povo americano - fazendo de Psicose (1960) uma febre que levou as pessoas a formarem filas gigantescas diante dos cinemas e rendendo uma bilheteria que faturou sessenta vezes o custo da produção.
 "Então, Luís, Hitchcock (2012) é um filme bom?" É. O problema é que criou-se uma expectativa imensa desde que o filme foi divulgado. E um filme sobre a vida pessoal de um dos maiores diretores de Hollywood e sua obra-prima, claro, foi muito aguardado. Pra aumentar as expectativas, o elenco é liderado por Anthonny Hopkins, Hellen Mirren e Scarlett Johansson - o primeiro, ganhador do Oscar por O silêncio dos inocentes, ícone contemporâneo do terror/ suspense, um dos mais queridos e competentes atores do cinema americano; Helen Mirren também é vencedora do Oscar e dona de um currículo invejável; e Scarlett é uma das melhores e mais bonitas atrizes da nova geração de Hollywood. E surpreendentemente, o elenco desaponta. Não digo por Scarlett, mas Hopkins parece apenas uma caricatura de Hitchcock, atrás de uma maquiagem muito bem feita mas muito pouco expressiva. Helen Mirren é extremamente normal, quase apática, e só é salva pelas situações de sua personagem, que ganha destaque na segunda metade do filme. Pra quem, assim como eu, adora Psicose, é um filme bacana para saber muita coisa sobre os bastidores do clássico. Para quem não gosta de Psicose (quem seria o animal?), é um filme sem graça. Para quem não viu Psicose, eu digo que não veja Hitchcock, ou vai perder o gosto que é se surpreender com o filme de 1960.

Nota: 6.5/ 10

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Luís F. Passos

terça-feira, 25 de junho de 2013

Shame - no satisfaction

Michael Fassbender não é dos atores mais populares do público em geral, mas de uns tempos pra cá vem mostrando qualidade indiscutível de atuação, tornando-se um dos melhores dos últimos anos do cinema. Além de ser extremamente talentoso, ele é um homem inegavelmente muito bonito. Sendo assim, ele tinha os dois requisitos necessários para emplacar a liderança da produção Shame, um dos filmes mais controversos e notórios de 2011, que veio à tona pelas mãos talentosas do diretor, provavelmente um obcecado pelo próprio Fassbender, Steven McQueen.
O que deu margem ao sucesso de Shame é seu conteúdo. Afinal, é um filme sobre sexo. Mais precisamente sobre o vício em sexo. Fassbender vive Brandon, um homem que em público mostra-se sempre elegante, sóbrio e bem sucedido, mas que entre quatro paredes é um viciado em sexo cuja vida gira em torno de prostitutas, masturbação e pornografia. Apesar de toda a exposição do corpo, Brandon é altamente recluso. Uma pessoa definitivamente impenetrável que não mostra, em quase nenhum momento, elementos de sua alma ou de seus sentimentos. Suas reações variam muito entre a apatia e a insensibilidade e o sexo não é nada mais que uma distração. Uma válvula de escape que trata com a maior indiferença possível.
Dentro de seu mundo fechado entra sua irmã mais nova, Sissy (Carey Mulligan), e esta relação dá inicio ao forte de Shame. Apesar de todas as cenas de sexo/masturbação/nudez que lotam o filme, os grandes momentos que fazem com que Shame seja elevado a uma categoria superior a de filmes ordinários que usam o sexo apenas como uma ferramenta apelativa se passam através da relação ente estes dois irmãos. Uma relação tão interessante quanto confusa, passional e totalmente indecifrável. Enquanto Brandon tem necessidade de introspecção, sua irmã tem necessidade por exposição, sentindo sempre que precisa ser cuidada ou observada por alguém e capaz de atitudes que denotam a mais pura instabilidade emocional. Mas será que isso a torna mais instável que o irmão? Provavelmente não. As razões para ambos terem se tornando os adultos complexos e confusos que são provavelmente é a mesma, mas em nenhum momento é elucidada. Nem uma pista sequer é dada e, para mim, é impossível evitar curiosidade por aquelas figuras enigmáticas que sofrem tão inexplicavelmente na tela. Para alguns, esta falta de objetividade é um grande defeito, mas para mim não faz muita diferença contanto que o filme compense em outras medidas, e ele o faz. A profundidade que adquire é dada graças às atuações espetaculares de Fassbender e de Carey Mulligan, que mostram dois de seus melhores trabalhos na tela. Se o sexo tornou Shame famoso, seu elenco o tornou notório.
O diretor Steven McQueen, que para alguns peca um pouco ao não se preocupar muito em se aprofundar nos transtornos envolvidos ao vício, tornando Shame um relato cotidiano em vez de um estudo de caso, também utiliza de excelente trilha sonora, fotografia e cenários abertos muito bonitos e muito sérios, elementos estes que fazem com que a vulgaridade sugerida pelo enredo seja substituída pela mais pura sobriedade, onde um universo de prazeres torna-se, simplesmente, insatisfatório.

Nota: 7,5 /10

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Repulsa ao sexo

Lucas Moura

domingo, 16 de junho de 2013

Psicose - o maior legado de um gênio

Tem cenas de filmes que de algum modo conseguem ser tão impactantes que alcançam enorme popularidade e são facilmente lembradas por aqueles que já as viram. Pode ser por transmitir horror, como o Singin'in the rain de Laranja Mecânica (em que Alex estupra uma mulher diante de seu esposo enquanto canta a famosa música); romance, como o "Nós sempre teremos Paris" de Casablanca; por serem inusitadas como a cena do twist em Pulp Fiction; ou comoventes como a marcha para o campo de concentração em A Lista de Schindler (em que aparece uma menina vestida de vermelho). E se falarmos em filmes de terror, não tem como não lembrar da cena do assassinato no chuveiro de Psicose ou do "Here's Johnny!" em O iluminado - sendo a primeira uma das mais famosas  e icônicas de todo o cinema. Afinal, estamos falando da obra-prima do mestre do suspense, Alfred Hitchcock, que deixou um dos mais ricos legados cinematográficos, seguidos por grandes diretores como Scorsese, Spielberg e Tarantino.
Em Psicose temos uma moça chamada Marion Crane (Janet Leigh), uma secretária que rouba 40 mil dólares de seu patrão sem nenhum objetivo determinado, visando apenas fugir em busca de seu amante casado. Na viagem, mil coisas passam na cabeça de Marion, inclusive devolver o dinheiro e tentar minimizar o estrago, mas esse pensamento se esvai. Numa noite chuvosa, ela busca abrigo no Motel Bates depois de se perder numa estrada secundária, e lá conhece o dono do estabelecimento, Norman Bates (Anthony Perkins). Norman é um cara aparentemente bonzinho, simpático e tímido diante de mulheres, o que dá para perceber durante o breve contato entre ele e Marion, em que ele também fala de sua mãe inválida, sua única companhia no sombrio casarão ao lado do hotel - e ao falar nela, sua falsa simpatia desaparece. Esses poucos minutos em cena e a personalidade fechada de Norman impedem que o espectador saiba maiores detalhes sobre ele, e menos ainda sobre sua mãe.
E então... um chuveiro, uma cortina afastada, violinos gritando, e Marion é assassinada a facadas, e do assassino vemos apenas a sombra, supostamente de uma mulher idosa. A incrível virada em que a protagonista é morta fez milhares de pessoas gritarem e pularem das poltronas nos cinemas; afinal, além de todo o terror da cena, nunca uma protagonista morrera antes da metade do filme! E a cena foi lapidada por Hitchcock pra ser o mais real e perturbadora possível para os padrões da época, foram feitas 77 tomadas e a edição demorou uma semana, números incríveis para uma cena de menos de dois minutos. Para realçar o choque da imagem do sangue, Hitchcock usou xarope de chocolate para destacar o líquido na fotografia em preto e branco. E além dos desafios do processo criativo, houve o desafio de convencer a censura a liberar o filme, já que há um momento em que Marion joga um papel rasgado no vaso sanitário e dá descarga, "coisa indigna de ser exibida para as famílias americanas" mas que é uma passagem importante nas sequências do filme. Outro ponto difícil  foi a nudez de Janet Leight na cena do chuveiro, já que em alguns momentos é possível ver os seios da atriz (mesmo sem mamilos polêmicos).
Dando continuidade à história, aparecem o detevive Aborgast (Martin Balsam), a irmã de Marion, Lila, e o amante da defunta, Sam (John Gavin), personagens secundárias frente à assustadora performance de Anthony Perkins como Norman. Perkins domina o filme a partir da cena do chuveiro, fazendo o público esquecer dos quarenta mil dólares roubados e preparando terreno para um final interessante e surpreendente como poucos, que mesmo sendo explicado por algumas das personagens, mostra que a motivação de alguns crimes vai além da compreensão da mente racional.
Psicose (Psycho, 1960) é baseado no livro homônimo escrito um ano antes por Robert Bloch, que foi lido por Alfred Hitchcock e imediatamente cativou o diretor - mas não os executivos da Paramount. Hitchcock teve então de desembolsar 800 mil dólares, arriscando sua reputação e seu patrimônio pessoal e tendo de usar toda sua genialidade para criar um filme capaz de invadir o imaginário popular, substituindo o sobrenatural por um monstro de carne e osso; mostrando que em pessoas aparentemente pacíficas fatores como sexo e loucura podem desencadear as piores reações.
Como diria nosso amigo coronel Nascimento, "o Sistema é f*, parceiro". Mesmo depois do filme pronto, a Paramount ainda duvidava da capacidade de Psicose se tornar um sucesso, lançando-o em apenas dois cinemas, e sem premiére. Coube a Hitchcock bolar uma saída: elaborou o "Manual de Como Vender Psicose", um encarte em que proibia a entrada de pessoas após o início do longa, aconselhava a contratação de seguranças para o possível caso de espectadores que ficassem transtornados com a violência do filme e fechar as cortinas sobre a tela logo após o fim do filme. Tal manual foi mais eficaz do que qualquer publicidade que a Paramount poderia produzir.

Nota: 10/ 10

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A sombra de uma dúvida
Interlúdio
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Luís F. Passos

terça-feira, 11 de junho de 2013

O Grande Gatsby - a paixão e a extravagância invadem o cinema

O diretor Baz Luhrmann é famoso no meio cinematográfico por um elemento principal: o exagero. Esse exagero, geralmente, vem acompanhado pela mais pura audácia cinematográfica. Os resultados, no entanto, geralmente não são muito de meu agrado. Austrália é um grande desperdício de tempo, dinheiro e elenco; Romeu + Julieta, apesar de ser de uma grande ousadia por traduzir a linguagem do casal de Verona para um universo suburbano e selvagem (com uma adaptação que mesclava o texto e linguagem shakespearianos com a estética e a ambientação da época e do local onde a história se passava) é tão frenético que seja a ser confuso, além de ser impossível evitar uma sensação de estranhismo (do tipo negativo); Moulin Rouge é um dos melhores musicais dos anos 2000. Foi capaz, praticamente sozinho, de ressuscitar o gênero moribundo dos musicais. Sendo honesto, o único filme de Baz Luhrmann que eu realmente gosto é Moulin Rouge, pois acredito que é o único de seus trabalhos em que todo o exagero se converte mais positivamente. A impressão que tenho sobre o diretor é que ele sabe muito bem como lidar com as sequências de ritmo frenético (não há ninguém que faça isso como ele), mas não sabe dosar essas sequências com momentos de maior pureza e simplicidade. O próprio Moulin Rouge quase se perde nesse caminho.
Por mais que não seja um fã, não pude deixar de me sentir na obrigação de conferir sua nova produção, uma adaptação do clássico literário de Fitzgerald, O Grande Gatsby. Tentei ao máximo conter expectativas, mas acabei me rendendo à curiosidade. Afinal, estamos falando de um dos livros mais importantes do século XX que ganhou vida na pele de três dos melhores atores dos anos 2000: Leonardo Di Caprio, Tobey Maguire e Carey Mulligan. Então, foi difícil manter-me indiferente. Dessa forma, fui para a sessão com expectativas moderadas, porém controladas. E esse controle foi o que me garantiu aproveitar as pouco mais que duas horas (que passam consideravelmente rápido) do filme, afinal, O Grande Gatsby mostrou-se grandioso e bem amarrado, mas longe de ser o filme do ano.
Sucintamente, a história contada do ponto de vista do jovem Nick Carraway (Tobey Maguire) narra a relação entre ele e um homem, alvo de verdadeira adoração de sua parte: Gatsby (Leonardo Di Caprio). Nick mora vizinho ao palácio de Gatsby e, a partir do momento no qual ouve seu nome pela primeira vez, cria uma conexão e uma curiosidade imediata por este homem. Gatsby é um milionário excêntrico famoso por todos os arredores de Nova York pela sua figura enigmática e, principalmente, pelas festas extravagantes regadas por muita música, dança e bebida que agitam as noites do subúrbio milionário. Mas, quem é esse tal de Gatsby? De onde ele veio? O que ele realmente quer com aquilo tudo? Como ele consegue ser tão rico e influente? Qual o segredo do seu sucesso? As respostas para todas essas perguntas não são entregues de graça, mas sim administradas ao espectador nos momentos certos conforme a trama se desenrola. Esse desenrolar, inclusive, é o que determina a mudança do foco do filme. Num primeiro momento, uma história que parece ser simplesmente uma análise social e comportamental da efervescência e euforia dos anos 20, regados a dinheiro e festanças, acaba se transformando, de maneira consistente, numa análise profunda da personalidade e da alma de um homem, abordando seu lado mais humano, vulnerável e, surpreendentemente inocente e esperançoso, bem como de sua complexa e passional relação com o passado. No meio desse caminho de encontro ao passado, temos Daisy (Carey Mulligan), prima de Nick e esposa do milionário Tom Buchanan (Joel Edgerton), num casamento que sobrevive mais de aparências do que de afeto concreto.
Em relação ao enredo, é só isso que tenho a dizer mesmo, pois qualquer tipo de spoiler pode estragar totalmente a diversão de ver as reviravoltas em O Grande Gatsby. Além do mais, não li o livro e minha análise limita-se exclusivamente ao que vi no filme.
Tecnicamente, como já era de se esperar, é muito acima da média. De maneira mais didática, pode-se dividir O Grande Gatsby em dois momentos principais. Um primeiro, pontuado pelas festanças e exageros; e um segundo, mais introspectivo, no qual os dramas consistentes das personagens se desenrolam e se desenvolvem genuinamente.
Como era de se esperar, Baz Luhrmann esbanja de tudo que o talento e o dinheiro podem trazer para encantar o espectador na primeira parte. Tudo é magnífico. O figurino, a maquiagem, a fotografia e, principalmente a trilha sonora, são espetaculares. Repetindo o feito bem sucedido de Moulin Rouge, a escolha da trilha sonora foi a de utilizar cantores e músicas atuais, apenas mudando a versão de cada música. Dessa forma, o ano pode ser 1922, mas o que embala as noitadas e as emoções são músicas como Back to Black e Crazy in Love, em performances de cantores como Beyoncé, Will.i.am, Jay-Z, Lana Del Rey, Florence and the machine e Jack White. Enfim, uma idéia genial que se mostrou funcional mais uma vez e que aproxima o filme do grande público e ganha vários pontos no quesito popularidade. Vamos dar os méritos pra essa trilha porque é fantástica mesmo. A semelhança com Moulin Rouge se estende por toda essa primeira metade não apenas nesses aspectos, mas também pelo clima festeiro que nos lembra o momento inesquecível em que Satine é apresentada e até mesmo pela introdução do filme. Se em Moulin Rouge tínhamos um Christian desabafando seu sofrimento pela perda de seu ‘sparkling diamond’, em Gatsby, Nick coloca nas páginas tudo o que vivenciou, quase sempre como um observador, naqueles poucos dias de verão ao lado de Gatsby e Daisy.
A segunda metade é onde o filme perde pontos. Por seguir uma linha mais simples, leve e calma, o filme perde um pouco de sua força, pois seu diretor não sabe lidar muito bem com isso. Dessa forma, momentos que poderiam ser sublimes acabam sendo abafados por aquilo que é a maior qualidade da primeira metade do filmes: a extravagância. O excesso é o herói e o vilão de qualquer trabalho de Luhrmann, que não sabe utilizar a máxima de “menos é mais”, inclusive deste aqui. Uma das melhores cenas, que é acompanhada da melhor versão de música utilizada na trilha (a versão espetacular de Jack White para a canção de U2 Love is blindness), apesar de curta é importantíssima, mas não muito interessante devido ao visual e ao quase desperdício da música. Quando a cena começou, esperava um momento de clímax do nível de Roxanne de Moulin Rouge (uma das minhas cenas preferidas do cinema), mas foi uma boa decepção até. Apesar de a conclusão ser ótima, atribuo muito disso ao enredo original escrito pelo próprio Fitzgerald (sim, estou desmerecendo Luhrmann). De um modo geral, o ritmo fica um pouco comprometido. As atuações também se mostram meio discrepantes. Se por um lado, Tobey Maguire e, principalmente, Leonardo Di Caprio e Joel Edgerton (a quem nunca tinha ouvido falar) são fenomenais, Carey Mulligan é legal, porém apática. Como sei que Carey é excelente, atribuo isso à própria personagem, que em vez de ir ganhando mais conteúdo como as demais, vai se mostrando cada vez mais banal – pra dizer o mínimo.
Concluindo: O Grande Gatsby é uma boa adaptação. Visualmente interessante, enredo bem feito, atuações majoritariamente excepcionais, trilha sonora perfeita e uma boa diversão. Só não espero que este vá ser o filme número um de 2013. Aliás, torço para que não seja apesar de vê-lo já como um potencial indicado ao Oscar de melhor filme.

Nota: 8/ 10

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Moulin rouge 

Lucas Moura

terça-feira, 4 de junho de 2013

As Patricinhas de Beverly Hills - teen anos 90, diversão atemporal

É difícil encontrar alguém que atribua algum valor a filmes adolescentes, por razões óbvias. De um modo geral, são filmes muito superficiais e clichês, com enredos centrais que sempre caem no lugar comum, baseando-se em bobagens e com desenvolvimentos românticos forçados ou errôneos. No caso estou me referindo àqueles com temática romântica, pois piores são as comédias que caem na mais pura obscenidade, tratando adolescentes apenas como pervertidos sem nada na cabeça e os malditos filmes de terror que são toscos até dizer chega. Tanta besteira em massa, que só pode ser reflexo de um público massivamente (não disse totalmente) ignorante, faz com que se crie um ultimato com relação aos filmes teen: porcaria. 
Mas não sejamos pessimistas. Não vamos nos esquecer dos raros filmes teens de qualidade. Aqueles que tratam o adolescente não como idiota, mas que se preocupam em lhes oferecer entretenimento de qualidade sem deixar de agradá-los e envolvê-los com todos os elementos de que mais gostam. Esse ano tivemos um drama teen de sucesso expressivo que foi As vantagens de ser invisível, mas não vamos nos limitar apenas a produções independentes como este e Juno, por exemplo. Vamos também pensar em grandes sucessos pop no maior estilo americano que são obras muito divertidas e que marcaram gerações com seu humor e carisma próprios. Nos anos 2000, a comediante Tina Fey explorou todos os clichês possíveis e deu vida a uma surpreendentemente divertida e ácida comédia pop comportamental sobre o jogo de interesses sociais e aparências que pontua Meninas malvadas, unanimidade entre as jovens do início da década. Nos anos 80, a filmografia do diretor John Hughes explorou o universo adolescente com um olhar cômico e sentimental em clássicos atemporais como O clube dos cinco e principalmente Curtindo a vida adoidado, através da figura icônica de Ferris Bueller que representa a personificação de todas as aspirações de liberdade e diversão dos jovens, sendo, definitivamente, a personagem masculina mais importante do cinema para adolescentes. A feminina viria alguns anos após, através de um dos maiores sucessos dos anos 90, o até hoje satisfatório As patricinhas de Beverly Hills (Clueless, 1995).
Em As patricinhas de Beverly Hills não temos, propriamente falando, absolutamente nada de novo, por isso é a prova de que clichês bem trabalhos dão certo. O filme explora o universo do comportamento social de adolescentes ricos da Califórnia envolvidos nos mais diversos relacionamentos amorosos e mergulhados na futilidade da vida dos milionários. A heroína é Cher (Alicia Silverstone), jovem cujo principal divertimento é ajudar a vida dos outros de todas as maneiras disponíveis, o que se resume, basicamente, a envolvimentos românticos que acabam causando confusões inesperadas e as chamadas “repaginadas”, processos nos quais ela provoca uma transformação física, comportamental e, principalmente, no estilo de se vestir da pessoa. O prazer que Cher encontra em ajudar os outros, a sua maneira, é uma manifestação de sua personalidade genuinamente bondosa e solidária, mas também um mecanismo de escape. Ao se preocupar tanto em melhorar, ou acreditar que está melhorando, a vida de seus amigos, o que ela realmente faz é deixar de lado seus sentimentos e suas dúvidas, comuns a qualquer jovem, e principalmente sua solidão, vinda da perda precoce da mãe (que morreu num acidente durante uma lipoaspiração de rotina) e da dificuldade na aceitação de seu próprio lado romântico, que vai de encontro com a postura que uma garota tão popular e descolada deveria tomar. Ao seu redor: a amiga inseparável, Dionne (Stacey Dash); Tay (Brittany Murphy) a nova aluna que precisa urgentemente de uma mudança de estilo que só Cher pode promover; o pai milionário e viciado em trabalho, mas incapaz de deixar a filha de lado; e Josh (Paul Rudd), o ex-irmão postiço que é o oposto de tudo o que Cher aparenta representar. 
As patricinhas de Beverly Hills dispõe-se como uma comédia romântica sem deixar de lado a captura do comportamento dos jovens da época. O filme respira os anos 90. As garotas e os rapazes vestem o auge da moda, o skate aparece com tudo, The Cranberries sempre toca nas fitas dos sons dos carros e nomes já esquecidos como Cindy Crawford e Kenny G são citados em piadas sempre da maneira certa. Na época, isso tornava o filme extremamente conectado com seu tempo e hoje em dia, apesar de torná-lo datado, o transforma num retrato fiel de uma geração. A principal marca não é necessariamente o romance. A acidez toma os holofotes. Assim como Meninas malvadas, As patricinhas de Beverly Hills cria centenas de piadas irônicas sobre a superficialidade material daquele ambiente, sempre fazendo as coisas mais fúteis aparecerem com uma importância comicamente exagerada. Como não notar a piada envolvendo 2001 – uma odisséia no espaço e um telefone – acredito que de última geração em 95 – que é o maior companheiro de Cher? Ou então, como ignorar a quantidade absurda de garotas com plástica no nariz que andam pela escola com seus vestidos Calvin Klein e suas bolsas Prada e levam doações aos desabrigados em sacolas da Tiffany’s? O filme também é recheado de piadinhas bem engraçadas, a maioria proferidas pela própria Cher, que também enche a história de observações cotidianas como se tudo não passasse de anotações em seu diário. Se for analisar, diferente de Meninas malvadas em que a protagonista interpretada por Lindsay Lohan vem de um universo paralelo, Cher é praticamente a personificação de tudo aquilo. Então, inconscientemente, ela nos cria críticas a um modelo de vida, ao mesmo tempo em que, no filme, é a principal representante deste.
O elenco é afiadíssimo, liderado por uma Alicia Silverstone perfeita. Sua interpretação é hilária e não soa nada caricata, apesar de todos os maneirismos da personagem. Aliado a isso, ela ainda é uma das atrizes mais bonitas dos anos 90 e este é o papel de sua carreira. Digo isso de fato, pois após o sucesso gigante de As patricinhas de Beverly Hills, Alicia Silverstone não conseguiu até hoje um papel que chegasse perto da qualidade de Cher (isso também aconteceu com Matthew Broderick. Ou alguém aqui realmente se importa com alguma coisa que ele fez depois de Ferris?). Os outros atores do elenco eram todos jovens promissores que de diversas maneiras também não conseguiram decolar muito, com a exceção de Paul Rudd que firma-se como um dos melhores atores de comédia atualmente. Outra que também conseguiu uma expressividade interessante foi a atriz Brittany Murphy, que infelizmente faleceu em 2009 aos 32 anos.
Ah, aos que só acham que coisas Cult têm qualidade, devo dizer que As patricinhas de Beverly Hills, sobretudo Cher, é inspirado numa obra de Jane Austen. 

Nota: 9/ 10

Lucas Moura

sábado, 1 de junho de 2013

Sagaranando recomenda: 360

Fernando Meirelles, um dos maiores diretores brasileiros da atualidade, diretor de Cidade de Deus (2002) e mais um injustiçado do Oscar - foi indicado a melhor diretor, merecia ganhar mas não ganhou - consolidou sua carreira no cinema internacional e vem há alguns anos trabalhando com forte elenco, como foi em Ensaio sobre a cegueira (Blindness, 2008). O longa baseado no romance consagrado de José Saramago contou com Mark Ruffalo, Juliane Moore, Gael García Bernal, entre outros. O trabalho mais recente de Meirelles, 360 (2012), também teve nomes de peso, como Anthony Hopkins e Jude Law, além dos brasileiros Maria Flor e Juliano Cazarré (sim, Adauto!).
360 começa em um estúdio fotográfico em que uma jovem chamada Mirkha tira fotos sensuais na esperança de ser modelo, mas acaba recebendo a proposta de se prostituir - que ela aceita. Seu primeiro cliente é Michael (Jude Law), que é casado com Rose (Rachel Weisz), que por sua vez mantém um caso com Rui (Juliano Cazarré); este é namorado de Laura (Maria Flor), que ao descobrir a traição decide sair de Londres e voltar ao Brasil. No voo de volta ela conhece John (Hopkins), um simpático senhor que se encanta pela jovem devido à semelhança desta com sua filha desaparecida anos atrás. No aeroporto Laura também conhece Tyler (Ben Foster), um cara que cumprira pena por estupro e tentava voltar à sociedade. Ainda entre as personagens temos dois homens da máfia austríaca e a irmã de Mirkha, que entrará na vida de um deles.
360, como o título sugere, traz variadas relações que juntas formam um círculo, fazendo com que ações se tornem cumulativas e atitudes de pessoas de um país acabem afetando outras que aparentemente não tem nada a ver com elas, em outro lugar, como as traições de Michael na República Checa que fazem sua mulher em Londres o trair com um brasileiro, que provoca a volta da namorada dele ao Rio de Janeiro, conhecendo no caminho um inglês e um americano. E como podemos ver, o combustível para todos esses movimentos é a traição - Meirelles não analisa os motivos, mas as consequências e a dor do arrependimento de quem trai. O filme nos lembra Babel (2006), mas sem toda a política trazida por Iñárritu; as reflexões aqui são mais particulares.
E como falei acima, o elenco é um mérito. Destaque para Anthony Hopkins, claro, cujas aparições não somam nem quinze minutos mas consegue se impor junto ao público como o senhor carismático de olhar vazio e lembranças tristes, que segundo o próprio Hopkins lembra um episódio de sua vida; Ben Foster, cuja personagem tem de lutar contra os instintos criminosos e ignorar a jovem que se aproxima dele; e Maria Flor, toda meiga e com ar inocente, tentando superar a traição do namorado e buscando novas pessoas para sua vida.

Nota: 8/ 10

Luís F. Passos