Logo na abertura de cerca de três minutos composta por imagens de cartões postais e outros lugares menos conhecidos de Paris e ao som do clássico Si tu vois ma mère, já dá pra saber que o vem a seguir é um filme encantador. Em sua melhor forma desde 2008, quando lançou o envolvente Vicky Cristina Barcelona, em que a região da Catalunha aparece praticamente como personagem do filme, Woody Allen escolhe a capital francesa para rodar seu sétimo filme gravado na Europa. E da mesma forma -ou mais ainda- que em Vicky, o espírito da cidade de Paris está presente nas personagens, nos cenários e chega a ganhar vida própria.
Gil Pender (Owen Wilson) é um roteirista hollywoodiano muito bem sucedido mas frustrado por considerar seu trabalho sem nenhum valor artístico, quando na verdade sonha em ser um romancista respeitado. Em uma viagem a Paris junto com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e os pais dela, Gil fica maravilhado com tudo o que vê e passa a desejar ter conhecido a Paris dos anos 20, que ele considera a Era de Ouro da cidade, quando artistas, intelectuais e inventores do mundo inteiro estavam na capital francesa, uma época de intensa produção intelectual. Inez, assim como seus pais, despreza essas fantasias de seu noivo - os três são milionários esnobes, cheios de si, mas nenhum deles tem nem metade do conhecimento de Gil em termos de literatura, cinema e outros tipos de arte. No entanto, Inez se mostra muito interessada por um amigo, Paul (Michael Sheen), um professor universitário que é a representação do típico pedante que Woody sempre traz em seus filmes, e que na minha opinião só é superado pelo pedante da fila de Annie Hall.
Enquanto Inez resolveu adotar Paul como guia, Gil prefere sair pelas ruas sozinho, admirando cidade e criando ideias. Eis que numa noite ele senta na escadaria de uma igreja e ouve as doze badaladas da meia-noite, e aparece um Peugeot 1923 que o leva a uma festa nos anos 20 onde encontra Cole Porter e o casal Scott e Zelda Fitzgerald. Claro que ele fica perplexo, mas aproveita a inusita situação. Na mesma noite ele conhece Ernest Hemingway, seu escritor favorito, que promete a Gil apresentá-lo a Gertudre Stein, uma importante editora e crítica literária. A partir daí, quase todas as noites Gil, à meia-noite, pega carona no velho Peugeot e vai parar nos anos 20, passando as noites com pessoas que admira bastante como Picasso, Dalí, Buñuel, T.S. Elliot, entre outros. A partir dessas pessoas ele conhece Adriana (Marion Cotillard), uma jovem estudante de moda por quem se apaixona. O aprofundamento de sua relação com Adriana mostrará a Gil que não é preciso viajar no tempo e parar no passado para ser feliz.
Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, 2011) tirou de Hannah e suas irmãs (1986) o primeiro lugar no pódio das maiores bilheterias de Woody Allen. O filme foi um grande sucesso, e não é dificil entender o porquê. É muito boa essa ideia central que inicialmente fala do culto o passado, do sentimento que as pessoas têm em pensar que seriam mais felizes se vivessem numa época anteior à que vivem, e que aos poucos muda e mostra que é preciso focar no presente, viver o hoje porque a felicidade está no hoje, e é no presente que podemos fazer coisas interessantes; é só não perder o tempo com futilidades e pessoas fúteis (no caso, Inez e sua família), e que por mais mirabolante que um sonho pareça, devemos buscá-lo - isso nas cenas finais.
O roteiro do filme é genial; acho que desde Match Point (2005) o cara não acertava assim. É muito fluido, bem escrito, cheio de piadinhas leves e bem oportunas, além de merecer destaque a façanha de por Paris não so como cenário mas como personagem. O espírito da cidade luz está presente a todo tempo, seja quando Gil admira a beleza das ruas e galerias, seja no talento das diversas personagens, fictícias ou histórias, como Gil, Fitzerald ou Gertudre Stein. Lembrando também que o roteiro foi vencedor do Oscar de Melhor roteiro original desse ano. E claro, impossível não se impressionar com a beleza de Paris. Woody sempre consegue usar bem a fotografia para valorizar os cenários, e aqui não foi diferente; nas cenas gravadas pelo dia tudo é muito bem iluminado, deixando a cidade ainda mais romântica, e nas cenas noturnas cria-se um clima deslumbrante, aumentando o efeito da magia e do espírito de Paris. Isso me lembro Vicky Cristina Barcelona, em que a forte iluminação fez com o que o filme ficasse... caliente. Acho que não há outro adjetivo.
Ah, não posso deixar de falar de Owen Wilson. Ao saber que ele protagonizaria um filme de Woody Allen, o mundo apostou que seria uma piada, mas não foi. O cara conseguiu fazer um ótimo trabalho dando vida a mais um inconformado, figura recorrente na filmografia de Woody. Aliás, Gil é a típica personagem que o próprio diretor interpretaria, mas acho que ele preferiu um ator mais jovem porque se encaixa melhor na situação de querer viver no passado e se dar conta de que o presente é suficiente.
Depois de Annie Hall, Meia-noite é o filme de Woody que mais gosto, mais até que dos excelentes Hannah e suas irmãs e Manhattan (que juntos a Annie Hall e Crimes e pecados formam um "quadrado fundamental" da obra de Allen). Não só por ser excelente, mas porque criei uma empatia com ele - e isso supera qualquer avaliação crítica. Lembro que uma vez eu li num blog uma resenha sobre ele, onde a autora dizia "Eu achei o filme fraco, bastante fraco. A
ideia não é propriamente nova e também não é executada da melhor forma.
(...) O autor não parecia estar inspirado aquando da escrita do
argumento e realização deste filme, o que transparece nas personagens, o
que transparece nos actores." Só não digo o que comentei lá pra ninguém denunciar o Sagaranando por abuso.
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