domingo, 2 de dezembro de 2012

Manhattan - “ele adorava Nova York. Ele a idolatrava”


Ao longo de sua carreira, Woody Allen sempre recorreu a sua cidade natal, Nova York, para funcionar como cenário no qual suas tramas divertidas (ou não) sobre as personalidades do homem moderno se desenrolam e se desenvolvem. A cidade, no entanto, é sempre tratada de uma forma muito romântica e muito delicada. Em Hannah e suas irmãs, por exemplo, há toda uma passagem dedicada a belezas arquitetônicas da cidade e em A era do rádio Woody nos mostra sua visão quase mágica da cidade que encantou sua infância. No entanto, jamais em todo seu trabalho Nova York aparece tão envolvente e encantadora quanto em Manhattan (1979), uma grande homenagem à cidade, a seu estilo de vida e a seus moradores.
Isaac (Woody Allen) é um escritor que trabalha fazendo roteiros para um programa de quinta categoria para televisão (crítica mordaz à superficialidade televisiva) que em meio a suas crises nervosas tenta escrever um livro. A introdução deste livro, aliás, é condiz com a introdução do filme em si. Os primeiros minutos de Manhattan são um pequeno show de imagens capturadas pela cidade em meio à narração de Isaac tentando achar uma forma apropriada de iniciar seu trabalho e pontuada por uma ótima trilha sonora (de um grande ídolo de Allen). Esse primeiro momento já mostra a relação de devoção do diretor a sua cidade, enaltecendo suas qualidades sem jamais ignorar a presença de seus defeitos (uma grande metáfora à decadência do homem moderno). A introdução se completa com uma chuva de fogos sobre o Central Park que anuncia o espetáculo que está por vir.
Esse espetáculo se apóia na relação entre Isaac, suas neuroses e as três mulheres de sua vida: Jill (Meryl Streep), Mary (Diane Keaton) e Tracy (Mariel Hemingway). Jill é sua ex-mulher que o largou para ficar com outra mulher e agora está disposta a escrever um livro contando todos os detalhes, sórdidos ou não, de seu casamento com Isaac, sua insatisfação sexual quando estavam juntos e seu conturbado divórcio. A eminência de ter sua vida pessoa toda exposta só atiça a personalidade neurótica de Isaac, que ainda mal consegue entender como pôde ter sido trocado por outra mulher (algo que em algum momento do filme é descrito como uma “humilhação sexual”); Mary é uma editora de livros que é extremamente pedante. É daquelas pessoas cheias de conversas intelectuais (ou pseudo-intelectuais) que gosta de passar horas fazendo análises críticas e racionais e criticando gênios de diferentes áreas do conhecimento. Aliás, o que Mary faz, na verdade, é denegrir a imagem de todos os ídolos de Isaac (e, logicamente, de Allen), inclusive Ingmar Bergman, o que cria uma conexão adversa entre os dois. Mesmo assim, ele sente-se inegavelmente atraído por ela, não apenas por uma atração física como também por um toque de rivalidade intelectual. Além do mais, apesar de serem diferentes nesse aspecto, os dois partilham da mesma imaturidade emocional que os tornam incapazes de controlar corretamente suas vidas. Mary, aliás, é amante de Yale (Michael Murphy), melhor amigo de Isaac, e é assim que os dois se conhecem; Tracy é a namorada de Isaac e parece ser a garota perfeita: bonita, inteligente e interessante. Seu único defeito? Jovem demais. Tem apenas 17 anos de idade. Namorar alguém que é 25 anos mais novo é algo que deixa Isaac realmente louco e mesmo Tracy mostrando a todo tempo ser uma mulher madura para sua idade e ter um grande interesse no namoro dos dois ele não consegue levá-la a sério. A verdade é que mesmo sendo bem mais nova, Tracy tem uma maturidade e uma segurança emocional que Isaac não tem e que aparentemente jamais vai ter.
Sendo assim, ao longo do filme temos Isaac dividido entre duas mulheres opostas e ele deve escolher por quem lutar. A decisão, no entanto, só vem no final, num tipo de epifania romântica sobre as coisas pelas quais vale a pena estar vivo. 
Além do forte elemento romântico de seu enredo, é importante ressaltar também alguns detalhes com relação à Manhattan. Um elemento chave de quase toda a filmografia do diretor, e que ficou mais ressaltado pela primeira vez em Annie Hall, é o grande apelo psicanalítico, com seus personagens se agarrando a Freud e a seus terapeutas como uma forma de controlarem sua confusão emocional. Anos de terapia, no entanto, nunca parecem ser suficientes para organizar suas mentes. Manhattan e Annie Hall, aliás, partilham do mesmo tom inconclusivo, porém correto, em relação às dificuldades de manter relacionamentos amorosos. O filme também apresenta um roteiro brilhante, um dos melhores de Allen, que é pontuado com pequenas tiradas irônicas como só ele pode fazer. Acredito que a melhor de todas seja a opinião de Mary sobre o relacionamento de Isaac: em algum lugar, Nabokov está sorrindo.
O fato de Nova York ser a cidade de Isaac/Allen faz com que a cidade apareça de uma forma diferente em comparação a outras cidades onde se passam seus filmes, como Londres e Roma. Aqui nós somos levados a pequenos lugares desconhecidos e separados dos grandes pontos turísticos. O filme vai aliar tanto elementos clássicos e mundialmente conhecidos da cidade com pequenos paraísos escondidos, seja na beleza das ruas comuns, de um planetário no meio do parque ou de uma vista linda a partir de um lugar inusitado. 

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Lucas Moura

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