sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Sol é para todos

Dispensa subtítulo, afinal seria dificil encontrar alguma definição breve para este filme. Em resumo, O Sol é para todos (To kill a mockinbird, 1962) é uma narração feita por Jean Louise Finch, apelidada de Scout, de quando tinha seis anos e vivia na pequena cidade de Maycomb, no Alabama, com seu pai Atticus (Gregory Peck) e seu irmão Jem. Na época seu pai fora contratado para defender Tom Robinson de uma acusação de estupro. Tom era negro e a decisão de Atticus em defendê-lo indignou muitos moradores da cidade - afinal, se estamos falando do interior de um estado sulista na década de 30, nem preciso dizer da segregação racial existente.
O fato é que numa cidadezinha sulista, em plena época da segregação racial, a condenação de Tom era evidente, independente dele ser ou não culpado. Uma moça branca havia sido estuprada e fora mais fácil para todos acusar o pobre e negro Tom; nem mesmo a brilhante defesa de Atticus parece ser suficiente para absolvê-lo. Nesse aspecto o filme é brilhante: primeiro pelo julgamento (é considerado o melhor filme americano de júri) e também por mostrar de maneira tão natural os aspectos culturais e comportamentais da cidade.
O filme é mais focado nas crianças que no próprio Atticus. Scout, Jem e Dill, o sobrinho de uma vizinha, vão conhecendo o mundo e se surpreendendo como as pessoas cometem erros a partir de coisas insignificantes, como a cor da pele. Logo no começo há uma cena em que Scout aprende sobre pobreza; Atticus explica que não é o que as pessoas têm que define seu caráter, e sim suas ações. Outro foco da história é a misteriosa figura de Arthur "Boo" Radley, vizinho dos Finch, um jovem que vive trancado em casa e sobre o qual giram muitos mitos de loucura e violência. Boo tem um papel chave na história, além de ajudar as crianças a compreender quão prejudicial é o preconceito, seja ele qual for.
O que dá pra contar é isso, mas eu garanto ter muito mais. Sabe um filme que dura pouco mais de duas horas e você assiste sem se dar conta? Pois é. Tudo é tão genuíno, tão bem feito, que é impossível não se encantar pela história e pelas personagens, principalmente pela inocente e curiosa Scout. É impressionante como a aparente simplicidade da obra consegue trazer implícitos temas como preconceito racial e o provincianismo de uma cidade. Uma vez li em algum lugar que este é um filme pra se ver e colocar automaticamente entre os preferidos, e comigo não foi diferente.
Apesar do roteiro simples, O Sol é para todos entrou para a história do cinema por diversos motivos. Primeiro pela adaptação para o cinema a partir do livro homônimo, vencedor do Prêmio Pulitzer de Literatura (saiu vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado, e é considerado uma das melhores versões cinematográficas de livros já feita), passando pelo elenco brilhante, liderado por Gregory Peck, que levou seu Oscar de melhor ator. Atticus é uma espécie de herói extinta no cinema, um cavalheiro defensor de princípios. As crianças também são ótimas, extremamente naturais nas personagens (Mary Badham foi indicada a melhor atriz coadjuvante por Scout). E é claro, destaque para Robert Duvall como Boo - o então jovem ator seria imortalizado dez anos depois como o consigliere Tom Hagem em O poderoso chefão (The godfather, 1972).

Luís F. Passos
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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Impossível - a força da natureza humana


Quando as férias perfeitas de uma unida família – Maria, a mãe (Naomi Watts); Henry, o pai (Ewan McGregor); e os três filhos do casal – que decide passar o natal em praias exóticas e calorosas da Tailândia se transformam num verdadeiro inferno vindo através de ondas gigantes temos um filme incrivelmente angustiante, emocionante e que causa impacto em qualquer um que o assista. Temos O impossível (The impossible, 2012).
A onda acaba por separá-los. Maria, e o filho mais velho, Lucas (um garoto chamado Tom Holland que rouba a cena várias vezes e tem muito futuro se continuar tão bem), acabam se encontrando em meio ao caos e tem a difícil missão de se manterem juntos e, principalmente, vivos, já que ela está terrivelmente machucada e precisa de auxílio médico urgente. Boa parte do filme se centra nessas duas personagens, sobretudo em Maria com sua debilidade física incompatível com a necessidade proteger seu filho. Henry, por sua vez, passa a fazer tudo o possível, vagando de hospital em hospital, de abrigo em abrigo em busca de sua mulher e de seu filho mais velho, já que seus filhos mais novos estão com ele e em aparente segurança.
O filme baseia-se na grande catástrofe natural do século XXI, quando ondas gigantes devastaram vários países da Ásia em dezembro de 2004. O tsunami arrastou destruição e morte por todos os lugares que passou e firmou-se na memória não apenas dos que viveram a tragédia como também na de todos pelo planeta que acompanharam as notícias de algo que parecia inacreditável. De fato, ao assistir o filme, mesmo já tendo passado oito anos, tudo aquilo ainda me pareceu algo surpreendente e inacreditável. Algo impossível. O impossível nos deixa isso bem claro ao expor sequências dignas de uma superprodução relacionadas à chegada das ondas e de toda a destruição subseqüente. A força da natureza é o grande foco dessa parte inicial do filme, que nos mostra o como somos fracos e impotentes. Algumas cenas, inclusive, são feitas dentro da água, onde as personagens principais, sobretudo Maria, encontram-se num turbilhão, cercados por todo tipo de objeto, desde barras de ferro retorcidas a árvores, carros e corpos, sem nenhum tipo de controle. E o que determina quem vive e quem morre? Destino, como se não fosse o dia daquela pessoa morrer? Sorte, por ter conseguido aquele tronco ou não ter batido naquela pedra? Deus? Não sei. Só sei quem não há nenhuma reposta racional para essa pergunta.
Também nos apresenta um mundo totalmente novo do paraíso tropical que havia antes. Um mundo cheio de sofrimento, crianças perdidas, corpos feridos e cobertos de sangue, centenas de listas com nomes de desaparecidos, hospitais lotados e caóticos com gente morrendo por todos os lados e muito desespero.
Mas o destaque maior de O impossível não vai para a forma como trata a força da natureza. Vai para a forma como expõe a força do homem. Uma espécie de motivação invisível capaz de manter aquelas pessoas firmes na mais adversa das situações. Um forte extinto de sobrevivência. Uma força que desafia a lógica e que é capaz de tornar o impossível em uma realidade. Tudo isso, obviamente, é carregado de muito sentimentalismo que felizmente não estraga o filme e nem o torna menos interessante (isso, senhores, é o que uma boa direção e um bom elenco são capazes de fazer).
O impossível é um dos filmes de destaque da temporada e não é pra menos. Bom roteiro (previsível sim, mas isso é irrelevante aqui), boa direção (filme dinâmico, intenso e rápido), boa fotografia (é criado um pesadelo visual) e boas atuações de Ewan McGregor, Tom Holland e principalmente de Naomi Watts que é sempre ótima e aqui está mais que ótima (uma provável indicada ao Oscar de melhor atriz desse ano).
Baseado em fatos reais.

Lucas Moura
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domingo, 23 de dezembro de 2012

Meia-noite em Paris - fantasia na cidade luz

Logo na abertura de cerca de três minutos composta por imagens de cartões postais e outros lugares menos conhecidos de Paris e ao som do clássico Si tu vois ma mère, já dá pra saber que o vem a seguir é um filme encantador. Em sua melhor forma desde 2008, quando lançou o envolvente Vicky Cristina Barcelona, em que a região da Catalunha aparece praticamente como personagem do filme, Woody Allen escolhe a capital francesa para rodar seu sétimo filme gravado na Europa. E da mesma forma -ou mais ainda- que em Vicky, o espírito da cidade de Paris está presente nas personagens, nos cenários e chega a ganhar vida própria.
Gil Pender (Owen Wilson) é um roteirista hollywoodiano muito bem sucedido mas frustrado por considerar seu trabalho sem nenhum valor artístico, quando na verdade sonha em ser um romancista respeitado. Em uma viagem a Paris junto com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e os pais dela, Gil fica maravilhado com tudo o que vê e passa a desejar ter conhecido a Paris dos anos 20, que ele considera a Era de Ouro da cidade, quando artistas, intelectuais e inventores do mundo inteiro estavam na capital francesa, uma época de intensa produção intelectual. Inez, assim como seus pais, despreza essas fantasias de seu noivo - os três são milionários esnobes, cheios de si, mas nenhum deles tem nem metade do conhecimento de Gil em termos de literatura, cinema e outros tipos de arte. No entanto, Inez se mostra muito interessada por um amigo, Paul (Michael Sheen), um professor universitário que é a representação do típico pedante que Woody sempre traz em seus filmes, e que na minha opinião só é superado pelo pedante da fila de Annie Hall.
Enquanto Inez resolveu adotar Paul como guia, Gil prefere sair pelas ruas sozinho, admirando  cidade e criando ideias. Eis que numa noite ele senta na escadaria de uma igreja e ouve as doze badaladas da meia-noite, e aparece um Peugeot 1923 que o leva a uma festa nos anos 20 onde encontra Cole Porter e o casal Scott e Zelda Fitzgerald. Claro que ele fica perplexo, mas aproveita a inusita situação. Na mesma noite ele conhece Ernest Hemingway, seu escritor favorito, que promete a Gil apresentá-lo a Gertudre Stein, uma importante editora e crítica literária. A partir daí, quase todas as noites Gil, à meia-noite, pega carona no velho Peugeot e vai parar nos anos 20, passando as noites com pessoas que admira bastante como Picasso, Dalí, Buñuel, T.S. Elliot, entre outros. A partir dessas pessoas ele conhece Adriana (Marion Cotillard), uma jovem estudante de moda por quem se apaixona. O aprofundamento de sua relação com Adriana mostrará a Gil que não é preciso viajar no tempo e parar no passado para ser feliz.
Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, 2011) tirou de Hannah e suas irmãs (1986) o primeiro lugar no pódio das maiores bilheterias de Woody Allen. O filme foi um grande sucesso, e não é dificil entender o porquê. É muito boa essa ideia central que inicialmente fala do culto o passado, do sentimento que as pessoas têm em pensar que seriam mais felizes se vivessem numa época anteior à que vivem, e que aos poucos muda e mostra que é preciso focar no presente, viver o hoje porque a felicidade está no hoje, e é no presente que podemos fazer coisas interessantes; é só não perder o tempo com futilidades e pessoas fúteis (no caso, Inez e sua família), e que por mais mirabolante que um sonho pareça, devemos buscá-lo - isso nas cenas finais.
O roteiro do filme é genial; acho que desde Match Point (2005) o cara não acertava assim. É muito fluido, bem escrito, cheio de piadinhas leves e bem oportunas, além de merecer destaque a façanha de por Paris não so como cenário mas como personagem. O espírito da cidade luz está presente a todo tempo, seja quando Gil admira a beleza das ruas e galerias, seja no talento das diversas personagens, fictícias ou histórias, como Gil, Fitzerald ou Gertudre Stein. Lembrando também que o roteiro foi vencedor do Oscar de Melhor roteiro original desse ano. E claro, impossível não se impressionar com a beleza de Paris. Woody sempre consegue usar bem a fotografia para valorizar os cenários, e aqui não foi diferente; nas cenas gravadas pelo dia tudo é muito bem iluminado, deixando a cidade ainda mais romântica, e nas cenas noturnas cria-se um clima deslumbrante, aumentando o efeito da magia e do espírito de Paris. Isso me lembro Vicky Cristina Barcelona, em que a forte iluminação fez com o que o filme ficasse... caliente. Acho que não há outro adjetivo.
Ah, não posso deixar de falar de Owen Wilson. Ao saber que ele protagonizaria um filme de Woody Allen, o mundo apostou que seria uma piada, mas não foi. O cara conseguiu fazer um ótimo trabalho dando vida a mais um inconformado, figura recorrente na filmografia de Woody. Aliás, Gil é a típica personagem que o próprio diretor interpretaria, mas acho que ele preferiu um ator mais jovem porque se encaixa melhor na situação de querer viver no passado e se dar conta de que o presente é suficiente.
Depois de Annie Hall, Meia-noite é o filme de Woody que mais gosto, mais até que dos excelentes Hannah e suas irmãs e Manhattan (que juntos a Annie Hall e Crimes e pecados formam um "quadrado fundamental" da obra de Allen). Não só por ser excelente, mas porque criei uma empatia com ele - e isso supera qualquer avaliação crítica. Lembro que uma vez eu li num blog uma resenha sobre ele, onde a autora dizia "Eu achei o filme fraco, bastante fraco. A ideia não é propriamente nova e também não é executada da melhor forma. (...) O autor não parecia estar inspirado aquando da escrita do argumento e realização deste filme, o que transparece nas personagens, o que transparece nos actores." Só não digo o que comentei lá pra ninguém denunciar o Sagaranando por abuso.

Leia também:
Annie Hall

Luís F. Passos
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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Shakespeare Apaixonado - filmaço ou um dos maiores erros do Oscar?

Na Londres de 1593, acompanhamos a trajetória de um jovem escritor, cujo trabalho baseia-se, sobretudo, em peças de comédia, que vive às sombras de outro gênio da literatura de sua época e que no momento passa por um dos piores momentos para uma mente criativa: a falta de idéias. Simplesmente não há qualquer inspiração para seu novo trabalho, algo que nem tem nome definido e que pode ser chamado pelo péssimo título de Romeu e Ethel: a filha do pirata. Por mais que não consiga escrever, ele o deve fazer, pois o dono do teatro Rose, um dos principais teatros da cidade, está passando por grave crise financeira e seu gerente Henslowe (Geoffrey Rush) está endividado até o pescoço. A única salvação para todos é que a peça desse jovem escritor seja um enorme sucesso. Ah, seu nome é William Shakespeare (Joseph Fiennes).
Ao mesmo tempo, acompanhamos uma jovem donzela de nome Viola (Gwyneth Paltrow). De família rica, Viola anseia por viver um grande amor e uma grande aventura, muito além das poesias que tanto ama, enquanto encontra-se amarrada a uma tediosa vida de previsibilidade e obrigações. Para piorar, ela está prometida (para não dizer que foi vendida) a um rico proprietário de terras na Virgínia, o antipático e rude Lord Wessex (Colin Firth).
Os caminhos de Will e Viola se cruzam pela primeira vez quando a moça, disfarçada de homem, vai fazer um teste para o papel do protagonista. Will automaticamente vê-se profundamente interessado por aquele rapaz e, após descobrir que ele é a lady Viola (a qual ele já estava se apaixonando, após os dois terem se encontrado durante uma festa) os dois passam a viver um amor profundo, intenso, verdadeiro e proibido. Quanto mais se envolvem, mais o bloqueio criativo de Will vai passando. O vazio que o impedia de seguir com seu trabalho foi preenchido pela entrada de Viola em sua vida e agora o amor dos dois serve de inspiração para o seu maior e mais audacioso trabalho até então. A história tola sobre piratas deu lugar a uma intrincada rivalidade familiar, envolvendo mortes, crimes desentendimentos e um amor impossível. Uma história que se fixou como eterna na literatura e serviu de base para muitas das histórias de romance que a sucederam. Ethel virou Juliet e a nova peça é nada mais que a própria Romeu e Julieta. 
Assim como os amantes da ficção, Will e Viola vão se afundando cada vez mais nos impedimentos da sua relação, que parecem impossíveis de se resolverem e é eminente que eles não conseguirão ficar juntos no final. O que não quer dizer que eles não consigam manter uma conexão entre si por mais distantes que estejam fisicamente.
Essa é a premissa de Shakespeare apaixonado (Shakespeare in Love, 1998). Um filme que dividiu e ainda divide muitas opiniões. Muitos o acham um filme maravilhoso, outros o acham uma grande besteira. Grande parte dessas divergências com relação à qualidade (ou falta desta) de Shakespeare apaixonado podem ser relacionadas, diretamente, ao modo como o filme foi tratado na temporada de premiações daquele ano. Mas, o que seria, afinal, Shakespeare apaixonado? Um grande filme ou um grande erro do Oscar? Atrevo-me a dizer que não se deve rotulá-lo como uma coisa ou outra, pois ele tem um pouco dos dois.
Muitos são os motivos para atribuir a Shakespeare apaixonado a designação de um grande filme, pois ele de fato é. Isso é inegável e existem vários motivos que eu posso utilizar para confirmar isso. O elenco é fantástico, composto por muitos dos atores de maior atividade do fim dos anos 90 (também é um fator que pode tê-lo ajudado, e muito, a conseguir tantas indicações e prêmios ao Oscar); os elementos técnicos são dignos de uma super produção, com figurino impecável, direção de arte belíssima e um ritmo rápido e fluido; o roteiro é interessante, inteligente e constrói uma história cheia de faces, com romance, aventura e doses pontuais de comédia, não relacionada apenas a uma ou outra personagem, mas a todas elas. Todas têm seus momentos divertidos com piadas perspicazes. Aliás, as personagens são todas interessantes, com direito a aparição, inclusive, da rainha Elizabeth I (Judy Dench, num papel que lhe valeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante), que aparece de forma cômica, mas não tola.
Mas, quais foram os motivos que levaram essa simpática comédia romântica a ser considerado um dos maiores erros do Oscar? Bom, ele foi um sucesso gigantesco na premiação, recebendo no total 13 indicações sendo 7 prêmios, incluindo melhor filme e melhor atriz. São justamente esses dois prêmios que o tornaram um filme tão mal visto e que até chegam a atrapalhar a percepção de suas qualidades, pois muitos os julgam como dois dos maiores erros da história do Oscar. E, para mim, são. São dois prêmios que realmente não condizem com o filme e muito menos com o ano em questão quando se analisa os concorrentes. Para o prêmio de melhor filme, Shakespeare apaixonado derrubou ninguém mais ninguém menos que O resgate do soldado Ryan (Saving private Ryan, 1998), um dos filmes mais louvados de Spielberg, com uma qualidade técnica indiscutível e um roteiro que privilegia valores morais e de comprometimento com a nação. Sendo assim, como Shakespeare apaixonado ganhou o prêmio? Não faz sentido. Mais incompreensível que a vitória no prêmio de melhor filme é, de longe, a vitória no prêmio de melhor atriz. Pessoalmente, acho mais aceitável ele ter levado melhor filme que melhor atriz. Tive a oportunidade de ver todas as concorrentes de Gwyneth Paltrow pelo prêmio e posso afirmar que pelo menos três delas, Cate Blanchet, Fernanda Montenegro e Emily Watson (sendo a quarta Meryl Streep), desempenharam papéis mais fortes, mais profundos e mais desafiadores que a inocente guerreira Viola. Nada contra Gwyneth, mas aquele Oscar realmente não era dela.
Sendo assim, minha conclusão sobre Shakespeare apaixonado é: um filme bom, leve e divertido, mas que não é tão apaixonante quanto o título propõe e que também não mereceu toda a badalação que recebeu.

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Lucas Moura

domingo, 16 de dezembro de 2012

Hannah e suas irmãs - o filme mais abrangente de Woody Allen

Todos sabem como Woody Allen gosta de trabalhar com elencos grandes e afiados e roteiros bem estruturados, interessantes e pensativos. Seguindo essa fórmula simples, o diretor/roteirista/ator criou um universo de trabalhos consistentes e alguns bons clássicos do cinema americano. No entanto, em toda sua longa filmografia poucas obras têm o peso e a absurda qualidade de Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, 1986) um grande sucesso de sua carreira que permaneceu sendo sua maior bilheteria por mais de duas décadas.
O conto se passa em Manhattan (belíssima, como sempre). Mais precisamente dentro de uma família aparentemente comum, porém formada por pessoas totalmente diferentes e passionais, que vivem suas próprias crises particulares. No centro de toda essa família está uma mulher muito determinada e aparentemente a personificação do equilíbrio e da estabilidade, Hannah (Mia Farrow). Em diferentes perspectivas, tudo gira em torno dela, principalmente suas duas irmãs, Holly (Dianne Wiest) e Lee (Barbara Hershey), e seu marido Eliot (Michael Caine). 
Holly, a irmã mais nova, é nitidamente desequilibrada. Uma completa fracassada, ex-viciada em cocaína, aspirante a atriz que não consegue nunca dar um rumo para sua vida. Perdida, depressiva, desorganizada e com uma auto-estima baixíssima. Vive basicamente de um bufê, numa parceria inconstante com uma amiga (Carrie Fisher, mais conhecida como Princesa Leia) e de empréstimos que pede a sua irmã Hannah que jamais nega apoio financeiro e emocional a irmã, mesmo sabendo que pouco vai adiantar e que mais cedo ou mais tarde as novas empreitadas de Holly irão falhar. Lee vive um relacionamento conturbado e sufocante com um intelectual muito mais velho (Max Von Sydow) e, após muitas investidas diretas e indiretas de seu cunhado, Eliot, que se diz perdidamente apaixonado por ela, acaba cedendo e os dois passam a viver um relacionamento amoroso extraconjugal. Eliot, por sua vez, alia uma forte atração por Lee ao mesmo tempo em que se sente um completo inútil ao lado de sua esposa, que julga ser auto-suficiente demais para precisar de seu apoio.
A grande chave de Hannah e suas irmãs está fundamentada nessas quatro personagens e em seus relacionamentos. Ao mesmo tempo em que Hannah é a âncora que os impede de afundarem de vez, a sua estabilidade acaba soando demasiadamente negativa para eles, tornando a relação muito delicada e criando um relacionamento fundamentado em muitos ressentimentos e em certa rivalidade. Holly se ressente por Hannah por esta ser tudo o que ela jamais conseguiu ser. Lee acaba se tornando uma rival sexual da própria irmã, ao mesmo tempo em que se sente permanentemente culpada por estar cometendo algo tão ruim a uma pessoa tão boa. Eliot vive uma permanente indecisão sobre seu amor à esposa, sem conseguir distinguir o que realmente rege o relacionamento dos dois. Por mais que aparente ser forte, a própria Hannah também tem seus limites, suas limitações e suas inseguranças, que é forçada a esconder de todos justamente por ocupar o papel de quem une toda uma família.
Paralelamente aos conflitos psicológicos no núcleo de Hannah e suas irmãs, temos pequenos conflitos amorosos e a figura inesquecível de Mickey, ex-marido de Hannah, interpretado pelo próprio Woody Allen. Mais uma vez, é a representação típica de sua persona, que aqui aparece em menos evidencia justamente para maximizar o caráter mais complexo de seu núcleo principal, sobretudo com relação a Michael Caine e seu Eliot, a personagem mais ampla do filme. Apesar de aparições reduzidas, Mickey é uma figura importantíssima para a qualidade do filme como um todo. Ao acreditar que estava seriamente doente (“tenho um tumor cerebral do tamanho de uma bola de basquete. E agora que eu sei, posso senti-lo cada vez que pisco os olhos”) devido a sua exagerada hipocondria, ele é levado a uma enorme reflexão filosófica e religiosa sobre o sentido da vida. Claro que esse é um elemento evidente ao longo de todo o trabalho do diretor, mas acredito que esse tipo de questionamento existencial do homem, dentro da filmografia de Allen, nunca foi tão bem tratado e tão bem exposto como nesse filme. Até chegar a sua conclusão final, que envolve uma cena fantástica em que há a aceitação da falta de respostas sobre o sentido da vida e que tudo o que nos resta é aproveitar enquanto temos tempo, existe uma longa seqüência de piadas irônicas envolvendo religião, vida e morte.
É notável também que há uma clara inspiração em Ingmar Bergman nesse filme, sobretudo no teor filosófico e psicológico do longa. Bergman, aliás, foi um dos maiores ídolos de Allen. De inúmeras formas, Hannah e suas irmãs é sim um de seus trabalhos mais amplos, talvez o mais amplo de todos. Mesmo mantendo elementos tradicionais recorrentes de outros filmes, aqui há uma maximização da personalidade das personagens, que são mais detalhas e expostas. O lado dramático convive em igual medida com o caráter cômico, as análises sobre amor e sexo são relativamente minimizadas (apesar de contar com passagens românticas incríveis) para ampliar o relacionamento familiar e as crises morais e afetivas das personagens, bem como suas tentativas desesperadas de achar o caminho certo a seguir. Sendo assim, ao analisar dessa forma, Hannah e suas irmãs é sim mais amplo que Annie Hall e Manhattan, que são consideradas as duas principais obras-primas de Allen (junto a Crimes e pecados, de 1989), que se restringem mais a relacionamentos amorosos e que são mais voltados à comicidade.
Indicado a sete categorias no Oscar, e vencedor de três: melhor roteiro original (Allen), melhor atriz coadjuvante (Dianne Wiest, ótima e mais interessante personagem do filme, em minha opinião) e melhor ator coadjuvante (Michael Caine, ótimo). Ainda seria totalmente aceitável uma indicação para Barbara Hershey (a mãe de Nina em Cisne negro) como Lee.

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Lucas Moura

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Luiz Gonzaga - rei do baião, caboclo feliz

"Eu sou um caboclo feliz. Se eu nascesse de novo, eu queria ser o mesmo mané Luiz. Se eu nascesse de novo e pudesse escolher, mais do que eu sou não queria ser. Eu queria nascer na fazenda da Caiçara, lá em Exu, Pernambuco, bem na divisinha com o Ceará. É por isso que eu costumo dizer que uma banda minha é pernambucana e a outra banda é cearense. Quando eu ficasse taludinho assim eu queria logo comprar uma sanfona pra ajudar meu pai nos toque, lá nos forró. Eu queria era ser fio de Januário mesmo e de dona Santana! Mais do que eu sou não queria ser, não sinhô. Se eu nascesse de novo e pudesse escolher, rá!, quando chegasse 1930 eu entrava no colégio... 18 anos de idade... colégio do pobre é o Exército brasileiro; sentava praça. Haha! Fazia revolução como o diabo, não dava nem um tiro. Eita Brasil bom danado! Ah, eu queria ser o rei do baião, mas não era mole não, meu irmão. Quando eu chegasse no Rio em 39 eu ia tocar na zona violenta, da pesada, lá no mangue. Correndo pilo nos gringo. Queria ser tudo isso. Oxente, eu queria ser o rei do baião... até que uma certa noite chegasse lá assim um grupo de cearenses, diziam que eram universitários - sei lá o que era isso! - era estudante mesmo. Depois de me agradarem muito fizeram exigência: 'Olha caboclo, quando a gente voltar aqui outra vez nesse lugar, nós só damos dinheiro a você se você tocar um negócio lá daqueles pé-de-serra. Você não é sertanejo? Você não é da serra do Araripe?' Eu digo: sou. 'Tá feita a exigência'. Ai eu fiz uma recapitulação, organizei e fiz como entrei tocando aqui agora o vira e mexe. É, foi o primeiro! Quando os cearenses chegaram eu disse pra eles: olha, tenho um negocinho aqui pra empurrar em vocês! 'Então manda!' Lasquei brasa. 'É isso aí, caboclo!' Naquele tempo era caboclo, agora é bicho. 'É isso mesmo! Agora você pode até visitar nossa república'. Eu: diabo é isso? 'É uma república lá na Lapa, lá é que é pesada mesmo, só de cearense. E você tá convidado de ir lá tocar pra nós'. Eu fui, tava agradando. Fui conhecer a república dos cearenses. Quando eu cheguei lá era a maior bagunça do mundo. Já viu? República de estudante, ainda mais cearense (...) E se eu nascesse de novo e pudesse escolher, quando chegasse o dia... 24 hoje, né? 24 de março de 1972, a essa horinha mermim, 'cês querem saber onde que eu queria estar? Era aqui. Com vocês, no Teatro Tereza Raquel, enrolando vocês na conversa, contando essa história (...) vai boiadeiro que a noite já vem, pega o teu gado e vai pra junto do teu bem!"

(Trecho do cd "Luiz Gonzaga volta pra curtir", gravado em 1972 no Teatro Tereza Raquel, RJ)


Luís F. Passos

domingo, 9 de dezembro de 2012

Match Point - jogo sedutor e perigoso

Depois de muitos anos sem emplacar sucessos junto ao grande publico (apesar de lançar ótimos filmes como Desconstruindo Harry, 1997), e de uma má fase que inclui aquele que é considerado seu pior filme, O escorpião de jade, Woody Allen retorna aos holofotes em 2005 com o intenso e envolvente Match Point, longa singular em sua carreira por alguns motivos: dura mais de duas horas (mais longo até então), é rodado em Londres e se afasta das comédias, assumindo um clima carregado e tenso durante quase todo o filme.
Chris Wilton é um jogador de tênis irlandês que não alcança o estrelato e chega em Londres para dar aulas particulares. Ele acredita muito na influência da sorte na vida das pessoas - e a sua logo lhe sorri. Ele consegue vários alunos, entre eles Tom Hewett, um jovem membro da aristocracia inglesa. Tom passa a gostar muito de seu instrutor e o apresenta à sua família, inclusive à sua irmã Chloe, que se apaixona pelo tenista. Chris também conhece Nola Rice, a noiva americana de Tom, uma loira espetacular, e fica encantado por ela. Mesmo começando a se relacionar com Chloe, Tom passa a assediar a cunhada, que resiste a seu charme, mas chega uma hora que cede e eles começam um caso.
Quando Tom e Nola rompem o noivado e a loira some, Chris, conformado, casa com Chloe. Seu sogro simpatiza com ele e passa a incentivar sua carreira como executivo, lhe conseguindo um bom emprego. Nola reaparece e volta a manter um caso com Chris, que tem vontade de largar a esposa e ficar com a amante, mas não o faz pelo risco de perder tudo o que havia conquistado profissionalmente. A loira então começa a pressioná-lo, criando um clima tenso que culmina num fim trágico.
Como disse antes, Match Point marca a grande volta de Woody Allen. Ô filme bom! Desde o início o longa tem um clima carregado, seja pela fotografia, pela trilha sonora (praticamente só ópera) ou pelo próprio enredo, que prende a atenção do espectador do inicio ao fim. Match Point se afasta do estilo cômico de Woody e assume caráter dramático, tendo como temas sorte/azar, ambição, beleza, crime e sensualidade. É muito interessante a decadência moral de Chris, cuja ambição o leva a extremos, passando por cima de seus sentimentos e de todos os princípios que algum dia ele teve. Aliás, isso lembra um pouco a obra de Dostoiévski, só não digo qual o livro porque pode ser spoiller.
Outro mérito de Match Point é seu elenco, começando por Jonathan Rhys Meyers, que dá vida ao charmoso, ganancioso e perturbado Chris, e chama mais a atenção Scarlett Johansson, que desde 2003 vinha chamando atenção por sua atuação num filme de Sofia Coppola e em 2005 já havia consolidado sua carreira. Linda, sedutora e ótima atriz, Scarlett interpreta Nola com perfeição, chegando a ser chamada de Marilyn Monroe do século 21. Exagero, claro, mas difícil não se impressionar com tamanha combinação de beleza e talento.

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Luís F. Passos

domingo, 2 de dezembro de 2012

Manhattan - “ele adorava Nova York. Ele a idolatrava”


Ao longo de sua carreira, Woody Allen sempre recorreu a sua cidade natal, Nova York, para funcionar como cenário no qual suas tramas divertidas (ou não) sobre as personalidades do homem moderno se desenrolam e se desenvolvem. A cidade, no entanto, é sempre tratada de uma forma muito romântica e muito delicada. Em Hannah e suas irmãs, por exemplo, há toda uma passagem dedicada a belezas arquitetônicas da cidade e em A era do rádio Woody nos mostra sua visão quase mágica da cidade que encantou sua infância. No entanto, jamais em todo seu trabalho Nova York aparece tão envolvente e encantadora quanto em Manhattan (1979), uma grande homenagem à cidade, a seu estilo de vida e a seus moradores.
Isaac (Woody Allen) é um escritor que trabalha fazendo roteiros para um programa de quinta categoria para televisão (crítica mordaz à superficialidade televisiva) que em meio a suas crises nervosas tenta escrever um livro. A introdução deste livro, aliás, é condiz com a introdução do filme em si. Os primeiros minutos de Manhattan são um pequeno show de imagens capturadas pela cidade em meio à narração de Isaac tentando achar uma forma apropriada de iniciar seu trabalho e pontuada por uma ótima trilha sonora (de um grande ídolo de Allen). Esse primeiro momento já mostra a relação de devoção do diretor a sua cidade, enaltecendo suas qualidades sem jamais ignorar a presença de seus defeitos (uma grande metáfora à decadência do homem moderno). A introdução se completa com uma chuva de fogos sobre o Central Park que anuncia o espetáculo que está por vir.
Esse espetáculo se apóia na relação entre Isaac, suas neuroses e as três mulheres de sua vida: Jill (Meryl Streep), Mary (Diane Keaton) e Tracy (Mariel Hemingway). Jill é sua ex-mulher que o largou para ficar com outra mulher e agora está disposta a escrever um livro contando todos os detalhes, sórdidos ou não, de seu casamento com Isaac, sua insatisfação sexual quando estavam juntos e seu conturbado divórcio. A eminência de ter sua vida pessoa toda exposta só atiça a personalidade neurótica de Isaac, que ainda mal consegue entender como pôde ter sido trocado por outra mulher (algo que em algum momento do filme é descrito como uma “humilhação sexual”); Mary é uma editora de livros que é extremamente pedante. É daquelas pessoas cheias de conversas intelectuais (ou pseudo-intelectuais) que gosta de passar horas fazendo análises críticas e racionais e criticando gênios de diferentes áreas do conhecimento. Aliás, o que Mary faz, na verdade, é denegrir a imagem de todos os ídolos de Isaac (e, logicamente, de Allen), inclusive Ingmar Bergman, o que cria uma conexão adversa entre os dois. Mesmo assim, ele sente-se inegavelmente atraído por ela, não apenas por uma atração física como também por um toque de rivalidade intelectual. Além do mais, apesar de serem diferentes nesse aspecto, os dois partilham da mesma imaturidade emocional que os tornam incapazes de controlar corretamente suas vidas. Mary, aliás, é amante de Yale (Michael Murphy), melhor amigo de Isaac, e é assim que os dois se conhecem; Tracy é a namorada de Isaac e parece ser a garota perfeita: bonita, inteligente e interessante. Seu único defeito? Jovem demais. Tem apenas 17 anos de idade. Namorar alguém que é 25 anos mais novo é algo que deixa Isaac realmente louco e mesmo Tracy mostrando a todo tempo ser uma mulher madura para sua idade e ter um grande interesse no namoro dos dois ele não consegue levá-la a sério. A verdade é que mesmo sendo bem mais nova, Tracy tem uma maturidade e uma segurança emocional que Isaac não tem e que aparentemente jamais vai ter.
Sendo assim, ao longo do filme temos Isaac dividido entre duas mulheres opostas e ele deve escolher por quem lutar. A decisão, no entanto, só vem no final, num tipo de epifania romântica sobre as coisas pelas quais vale a pena estar vivo. 
Além do forte elemento romântico de seu enredo, é importante ressaltar também alguns detalhes com relação à Manhattan. Um elemento chave de quase toda a filmografia do diretor, e que ficou mais ressaltado pela primeira vez em Annie Hall, é o grande apelo psicanalítico, com seus personagens se agarrando a Freud e a seus terapeutas como uma forma de controlarem sua confusão emocional. Anos de terapia, no entanto, nunca parecem ser suficientes para organizar suas mentes. Manhattan e Annie Hall, aliás, partilham do mesmo tom inconclusivo, porém correto, em relação às dificuldades de manter relacionamentos amorosos. O filme também apresenta um roteiro brilhante, um dos melhores de Allen, que é pontuado com pequenas tiradas irônicas como só ele pode fazer. Acredito que a melhor de todas seja a opinião de Mary sobre o relacionamento de Isaac: em algum lugar, Nabokov está sorrindo.
O fato de Nova York ser a cidade de Isaac/Allen faz com que a cidade apareça de uma forma diferente em comparação a outras cidades onde se passam seus filmes, como Londres e Roma. Aqui nós somos levados a pequenos lugares desconhecidos e separados dos grandes pontos turísticos. O filme vai aliar tanto elementos clássicos e mundialmente conhecidos da cidade com pequenos paraísos escondidos, seja na beleza das ruas comuns, de um planetário no meio do parque ou de uma vista linda a partir de um lugar inusitado. 

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Para Roma com amor
Taxi driver

Lucas Moura

sábado, 1 de dezembro de 2012

Woody Allen

Hoje, 01/12/12, um grande nome do cinema mundial completa 77 anos. Allan Stewart Köningsberg, mais conhecido como Woody Allen é um diretor/roteirista/ator com uma carreira que soma mais de quatro décadas de trabalho constante, tanto em freqüência quanto em qualidade. É famoso pela sua forma original de trabalho, o que o tornou uma personalidade única no cinema. Inicialmente, dedicava-se a comédias pastelão, passando por um grande amadurecimento profissional que o levou a comédias reflexivas e muitas vezes filosóficas e até mesmo a dramas densos e intrincados. É impossível assistir um filme de Woody Allen e não perceber as marcas de seu estilo. Piadas irônicas, comparações implícitas, análises psicológicas, religião, vida, morte, amor, sexo, destino. Tudo nos é lançado durante seus filmes, que raramente duram mais que 100 minutos de duração.
Fez sua estréia como ator ainda nos anos 60, mas o reconhecimento mundial pelo seu trabalho veio apenas em 1977 com o sucesso estrondoso do vencedor do Oscar de melhor filme Annie Hall (que derrubou Star Wars na disputa), que o catapultou para o topo de Hollywood e ainda fez uma verdadeira revolução no gênero das comédias românticas e lhe rendeu o Oscar de melhor diretor. Os anos que se seguiram à Annie Hall foram de uma completa originalidade no trabalho de Allen, mesclando comédias com dramas sérios, sem deixar jamais sua profunda análise sobre a personalidade de suas personagens. Alguns dos outros grandes trabalhos de Woody nessa época são: Interiores (1978), Manhattan (1979), Zelig (1983), Hannah e suas irmãs (1986) e Crimes e Pecados (1989). Nos anos 90, acompanhou uma queda em sua popularidade numa sequência de trabalhos relativamente inferiores aos anos subseqüentes (apesar de ter sido uma década pontuada por pequenas maravilhas como Tiros na Broadway e Desconstruindo Harry). Sua volta triunfal, no entanto, veio em 2005 quando surpreendeu a todos com o intenso e sensual Match Point, com uma Scarlett Johansson incrível, atriz que veio a se tornar recorrente em sua filmografia a ponto de ser considerada uma de suas musas. Dentre as musas de Allen (atrizes que foram protagonistas de seus filmes, como Mira Sorvino – vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Poderosa Afrodite – e Penélope Cruz – vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Vicky Cristina Barcelona) duas merecem grande destaque: Diane Keaton e Mia Farrow. Keaton realizou trabalhos nos primeiros anos de sua carreira e os dois tiveram um relacionamento amoroso que rendeu uma longa amizade e o filme Annie Hall. Farrow atuou em praticamente todos os filmes de Allen dos anos 80, foi sua esposa e protagonizou pequenos clássicos como A rosa púrpura do Cairo (1984) e Hannah e suas irmãs (1986).
A principal figura em seus filmes é a do judeu neurótico de Nova York. Há de se acreditar, inclusive, que este seja uma representação da própria personalidade confusa de Allen. Não é necessário ver muitos de seus filmes para ver a repetição dessa figura e em praticamente todos os seus filmes ela é mostrada, de diferentes maneiras, seja através da atuação específica de Allen (como protagonista ou não) ou de outros atores diversos que recebem a função de representar essa persona tão marcante no cinema. Mas essa não é a única representação que aparece em seus filmes, na verdade, o que Allen recria é a realidade conturbada, confusa e conflituosa das grandes cidades do mundo moderno. Ele é um diretor que fala sobre seu tempo e sobre suas pessoas, canalizando parte do espírito social da época em personagens que são sempre cheios de empatia. De modo geral, seus contos se passam na capital do mundo, Nova York, cidade que é verdadeiramente adorada por Allen, que não se cansa de prestar homenagens à cidade na maioria dos seus filmes e a apresenta com uma beleza raramente vista em outros filmes que se limitam a usá-la apenas como cenário.
Apesar de não ligar para o Oscar, Woody Allen tem uma quantidade gigantesca de indicações ao prêmio. São 23 indicações no total: 1 para melhor ator (Annie Hall), 7 para melhor diretor (Annie Hall, Interiores, Broadway Danny Rose, Hannah e suas irmãs, Crimes e Pecados, Tiros na Broadway e Meia noite em Paris) e 15 para roteiro original (Annie Hall, Interiores, Manhattan, Broadway Danny Rose, A rosa púrpura do Cairo, Hannah e suas irmãs, A era do rádio, Crimes e pecados, Simplesmente Alice, Tiros na Broadway, Poderosa Afrodite, Desconstruindo Harry, Match Point e Meia-noite em Paris), saindo vencedor por melhor diretor uma vez, por Annie Hall, e de melhor roteiro três vezes, por Annie Hall, Hannah e suas irmãs e Meia-noite em Paris, seu último grande sucesso (e maior bilheteria desde 1986 – com Hannah e suas irmãs).
De qualquer forma, em virtude de seu aniversário de 77 anos, o Sagaranando vai apresentar, ao longo do mês de dezembro, cinco postagens referentes a grandes sucessos de sua carreira. Os filmes apresentados serão:
Manhattan
Match Point
Hannah e suas irmãs
Meia-noite em Paris
Lucas Moura

domingo, 25 de novembro de 2012

Viver a vida - arte em doze cenas

Retrato rápido da curta existência de uma jovem prostituta, Nana (Anna Karina), Viver a vida (Vivre sa vie, 1962) é um dos principais filmes do diretor Jean-Luc Godard que aqui trabalha, mais uma vez, com sua musa e esposa na época.
Para contar a história de Nana, o diretor dividiu seu conto em doze cenas descontínuas e aparentemente desconexas. Cada uma delas, no entanto, acaba nos revelando detalhes importantes sobre o estilo de cinema de seu autor, traços de personalidade da protagonista e reflexões filosóficas de todo o tipo sobre diferentes linhas de pensamento, desde a superficialidade do falar à importância do amor, passando por análises sobre o cinema comercial.
Em Viver a vida, Nana é uma moça sem dinheiro e solitária que acaba decidindo se tornar prostituta para poder se manter. Ao entrar para o negócio, ela pouco sabe sobre a nova realidade que deverá enfrentar e vai aprendendo aos poucos como lidar com esta situação. Existe uma cena completa (a oitava, creio eu) que é uma verdadeira aula de prostituição. Vemos imagens aparentemente desconexas de Nana com seus clientes enquanto vamos ouvindo uma narração em off de uma conversação entre ela e seu “homem” esclarecendo qualquer questionamento sobre o que se deve fazer neste mercado. Não, não estou falando em sentido figurado. É exatamente isso, um questionamento sobre prostituição. Quanto cobrar, quem atender, quando atender, onde atender, o que fazer caso haja problemas com a polícia e por aí vai. Creio que esta seja uma das cenas mais interessantes dentre os filmes de Godard que pude assistir e dá um caráter quase documental ao filme, tornando-o muito mais real.
Ao encontrar Yvette, uma antiga amiga, Nana acaba entrando de vez num perigoso jogo que acaba levando-a a um fim trágico. Este fim, no entanto, é previsto pela própria Nana e antecipado ao espectador através da exibição curta, porém importante, do filme mudo A paixão de Joana D’arc, ressaltando seu martírio. Em Viver a vida, aliás, há uma busca por um contato direto com a antiga arte do cinema mudo, através de tomadas silenciosas e da figura da própria Anna Karina, mais bela que o normal. Por mais que acompanhemos a trajetória desta mulher, na verdade pouco se sabe sobre ela e há um constante distanciamento entre Nana e o espectador (muitas tomadas são feitas com ela de costas para a câmera). 
Em termos de fotografia, Viver a vida traz uma Paris tão séria quanto bela, ao utilizar-se do preto-e-branco para torná-la perfeitamente adequada a sobriedade do clima da trama.

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O desprezo
Os incompreendidos
Pierrot le fou

Lucas Moura

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Pierrot le fou - liberdade, loucura e Godard

É notória a aversão que Jean-Luc Godard tinha ao cinema norte-americano. Aversão esta que está comprovada em Pierrot le fou (1965), o mais revolucionário de seus primeiros filmes, em que usa diversos elementos clichês de filmes americanos como perseguição, romance, luta, assassinato, roubo e fuga para criticá-los e romper de vez com o chamado cinema burguês.  No enredo isso se aplica ao protagonista, Ferdinand (Jean-Paul Belmondo), um professor universitário que se cansa de sua vida burguesa e tediosa e abandona sua bela esposa e foge com a babá de seus filhos, Marianne (Anna Karina), com quem já tivera um caso.
Envolvidos com um assassinato e com o tráfico de armas, Marianne e Ferdinand (que é insistentemente chamado de Pierrot pela companheira, e sempre responde "Je m'appelle Ferdinand!") simulam um acidente numa estrada e ateiam fogo ao carro em que fugiam, para depois viver a custa de pequenos golpes e enfim chegar ao litoral, onde permanecem pelo resto do filme.
Se Godard já vinha inovando em seus filmes anteriores, com Pierrot le fou ele chuta o pau da barraca e quebra tudo. A narração do filme é cheia de sarcasmo, polêmica, provocação e confronto; não há linearidade narrativa e nem mesmo o acompanhamento psicológico das personagens é linear. Pierrot é, acima de tudo, uma apologia ao inconformismo libertário tão pregado pela Nouvelle vague. Começando pela fuga de Ferdinand, no começo do filme - o que faz deste um filme de estrada, consequentemente é carregado de filosofia - e prosseguindo enquanto eles estão indo rumo ao litoral, mas não com objetivos específicos, e sim decididos a admirar o que vier pelo caminho, vendo beleza onde ninguém mais vê e encarando como arte o que as pessoas vêem como banal.
Ferdinand inicialmente se mostra engrandecido por sua coragem e rebeldia ao romper com a sociedade, mas vai percebendo que não faz ideia do que encontrará pelo caminho e o quanto é pequeno e insignificante perante o mundo. Ele usa a leitura e a escrita como alívio, desabafando suas angústias num diário e ocupando seu tempo com diversos livros que Marianne lhe arranja.
Marianne, por sua vez, durante quase todo o filme antagoniza os sentimentos de Ferdinand - se ele está feliz, ela está triste ou distante, se ele está interessado em algo, ela sente desprezo.  Eles só concordam em uma coisa: seguir sua jornada juntos. É uma personagem muito complexa e bela (inclusive fisicamente, Anna Karina aqui está linda como poucas atrizes conseguiram ser), sempre com ar despreocupado e indiferente, uma forma que ela encontrou para seguir em frente, apenas vivendo e desfrutando a vida.
Pierrot é um filme único - Godard destrói tudo e usa os mais diversos elementos, deixando difícil classificá-lo num só gênero. Ele é drama, é tragédia, é filme de estrada, é musical - Marianne solta a voz muitas vezes, inclusive com cantigas quase infantis. Merece atenção, claro, a narração feita por ambos os protagonistas, que se alternam, completando as frases um do outro, às vezes confundindo um pouco o espectador - afinal, o filme pode não ser difícil como O Desprezo, mas fácil também ele não é. Numa coisa ambos são parecidos: as ótimas direção de arte e fotografia, valorizando as belas paisagens por onde o casal passa.
No Brasil Pierrot le fou ganhou o inexplicável nome O demônio das onze horas. Sem mais.

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                       O desprezo

Luís F. Passos

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Touro Indomável - não menos que genial


Entre o fim dos anos 60 e toda a década de 70, instalou-se em Hollywood um movimento cinematográfico liderado por jovens atores, diretores e roteiristas, inspirados, sobretudo, nas diretrizes da nouvelle vague e afoitos por trazer uma forma nova de criação para o cinema americano, utilizando-se da exposição de temas mais sérios, violentos e sexuais, muitas vezes ultrapassando limites, quebrando noções de falsa moralidade, elevando um mundo “underground” de pessoas excluídas da sociedade e apresentando trabalhos tão frios quanto cruéis e realistas. O primeiro grande marco dessa geração foi a viagem alucinógena de Peter Fonda, Dennis Hooper e Jack Nicholson, no road movie Sem destino (Easy Rider, 1969) que abriu definitivamente as portas da contra-cultura, dos anti-heróis e do cinema autoral para a sétima arte americana. Durante os anos que se passaram, quase toda a produção cinematográfica estava diretamente relacionada a esse movimento que atingia uma grande margem de espectadores, em sua maioria jovens, ansiosos por verem uma digna representação de sua geração nas telas. No entanto, todo carnaval tem seu fim.
Aos poucos, a Nova Hollywood (como eram chamadas) foi perdendo força (lê-se dinheiro) quando o público em geral passou a se cansar da excessiva densidade psicológica a qual ficavam expostos. Dessa forma, não havia mais interesse por parte das grandes produtoras em financiar filmes tão viscerais e, aos poucos, o movimento foi perdendo a força. Diria que uma grande marca desse declínio foi a derrota d Apocalypse Now para Kramer vs. Kramer, no Oscar de 1979. Era o início do fim. Antes que o movimento em si terminasse (mantendo, no entanto, seu legado), Martin Scorsese (um dos principais diretores desse período) trouxe ao mundo este que é um de seus melhores trabalhos, um dos melhores filmes dos anos 80 e uma grande homenagem ao cinema de toda essa geração: Touro indomável (Raging bull, 1981).
Touro indomável, em termos de roteiro, é bem simples. É a vida de Jake La Motta (Robert De Niro), o “touro do Bronx”. La Motta é uma pessoa real, e foi um grande lutador de boxe na década de 40. O filme vai explorar, então, todos os traços de sua confusa personalidade, uma pessoa extremamente violenta, agressiva, intolerante e confusa, incapaz de manter uma relação estável com alguém, egocêntrico demais para perceber que o mundo não gira apenas em torno de si e que não sabe se comunicar ou muito menos expressar seus sentimentos confusos, conturbados e, às vezes, indecifráveis, de outra forma que não seja através dos punhos. A inconstância e a mentalidade violenta o tornam quase insuportável e o afastam até mesmo de seu irmão, Joey (Joe Pesci), que também foi seu empresário durante muitos anos e que o fez chegar à posição de destaque no boxe mundial, e de sua mulher, Vickie (Cathy Moriarty, com uma beleza clássica), por quem sente um ciúme doentio (fundamentado pela sua incapacidade sexual). Dessa forma, La Motta segue pelo filme como se estivesse subindo e descendo uma ladeira: uma grande subida inicial, encontrando sua futura esposa, firmando-se no boxe, assumindo uma rivalidade com Sugar Ray Robinson (outro grande lutador da época) e alcançando o título mundial dos pesos-médios e uma descida brusca, onde o homem jamais derrubado nos ringues termina como um gordo velho solitário e ignorante, vendendo as jóias de seu cinturão para pagar advogados, esmurrando paredes frias de uma cela minúscula e apresentando-se como comediante de quinta em bares quaisquer pela cidade.
Scorsese nos mostra, então, um conto tão belo quanto marcante. Utiliza-se para isso de um protagonista que é um típico anti-herói (figura comum nos filmes da época. Esse papo de mocinho e vilão não rola), que é tão distante o possível de Rocky Balboa (em alta na época). Afinal, quem é Jake La Motta? Um completo fracassado. Um homem cuja ignorância o tornou incapaz de aprender qualquer coisa com tudo que ocorreu ao longo de sua vida e que se permite terminar seus dias como um qualquer, sendo que podia ter sido alguém (é feita uma citação direta ao personagem de Marlon Brando em Sindicato de ladrões que levanta o mesmo posicionamento). De fato, ele não demonstra pontos positivos a seu respeito e muito menos qualquer explicação para ele ser desse jeito. E mesmo assim, La Motta é uma das melhores personagens da história do cinema. É incompreensível e fascinante ao mesmo tempo, tornando impossível uma não aproximação curiosa por parte de quem o assiste a sua figura. Grande parte dessa estranha empatia vem, logicamente, do trabalho de mestre de Robert De Niro. Um exemplo clássico de atuação do método (escola de atuação em que o ator não deve interpretar o personagem e sim vivê-lo) há uma entrega completa à personagem, que fica bem evidente na profunda transformação física pela qual o ator passa ao longo do filme, desde o La Motta musculoso no auge de sua forma física ao gordo decadente. De Niro ganhou o seu Oscar de melhor ator por este filme, numa interpretação que é, no mínimo, inesquecível.  
Para maximizar o clima do filme, o longa é filmado em um belo preto e branco, que o torna muito mais sóbrio e triste (também apropriado às décadas de 40 e 50 nas quais o filme passa) e que permite que a explosão de violência, sangue e suor que acontece a todo o momento em surtos constantes e tão equilibrados como uma dança se torne mais poética sem deixar de ser feroz. Nos ringues, a fotografia permite que os momentos de glória e perda de La Motta sejam opostos. Nas vitórias, é tudo claro e nítido. Nas derrotas, o clima do ringue é quase infernal, com imagens distorcidas remetendo a calor e um ambiente esfumaçado e cheio de sangue. A edição dita o ritmo que pode ser lento ou ágil, dependendo da circunstância e da intensidade do momento, contrapondo momentos quase líricos a momentos de selvageria.  
Sendo assim, Touro indomável exibe a força máxima do cinema. O auge de um diretor e de seu protagonista, um dos melhores (talvez o melhor) filme dos anos 80, uma das mais notáveis produções artísticas do cinema e um conto moderno que já nasceu clássico. Como o movimento do qual Touro indomável faz parte já estava enfraquecido, o jamais derrubado Touro do Bronx acabou sendo abatido, injustamente, pelo belíssimo Gente como a gente no Oscar de 1981, protagonizando um dos casos mais clássicos e evidentes de injustiça do Oscar, que tirou praticamente tudo de suas mãos, incluindo ator coadjuvante (Joe Pesci foi indicado, mas perdeu para Timothy Hutton), melhor filme e principalmente melhor diretor. Por mais que Scorsese tenha recebido o prêmio depois (mais de 20 anos depois) por Os infiltrados, é evidente e inegável que seu melhor desempenho tenha sido aqui.  

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