Aqui estamos mais um
Em 2021 vi muito menos filmes do que queria, mas vi alguns ótimos, sobre os quais espero poder falar por aqui em outra ocasião. Por outro lado, consegui manter um bom ritmo de leitura, apesar do tempo escasso, muito consumido pela necessidade de estudar. Ao todo, foram treze livros concluídos e três abandonados, sendo que desejo concluí-los no próximo ano. Gostei muito dos treze, sendo um deles Sagarana, lido pela terceira vez (motivo de não colocá-lo na lista de preferidos, já que ele já foi muito comentado neste blog), e outro, Primeiras estórias, encerrado depois de quase dez anos lendo seus contos em suaves parcelas. Por fim, antes de discorrer sobre os cinco livros de que mais gostei nesse ano, quero desejar um feliz ano novo, cheio de saúde, realizações, paz de espírito, leveza e FORA BOLSONARO.
Eita Gabo... Gabo é necessário, Gabo é imortal, Gabo é único. O realismo fantástico do colombiano que conquistou um Nobel e a admiração de meio mundo é excelente, independentemente do tema abordado, do tamanho do livro ou da época em que se ambiente a narração. Nesse livro relativamente curto, de menos de 200 páginas, inicialmente temos apenas o cruzamento de informações sobre um crime motivado por desonra, informações ora confiáveis, ora confusas, enquanto o leitor tenta montar o quebra-cabeças para entender como ocorreu o assassinato de Santiago Nasar. Mas aqui não temos apenas um romance construído com rigor jornalístico, mas também uma narração envolvente, cheia de poesia e sensualidade, que transborda através de personagens típicas da literatura de García Márquez.
Nota: 10
Fiquei muito feliz ao ver uma autora sergipana, jovem, lançar seu primeiro livro. Não conheço Camilla pessoalmente, só por interações em redes sociais, mas vibrei com o lançamento de seu livro como se fosse um amigo íntimo. Mais feliz ainda fiquei quando enfim li o romance, que devorei em um dia, mas ruminei por quase uma semana, tamanho seu impacto. A estória da protagonista Adelaide poderia ser a de incontáveis mulheres, seja em Sergipe ou qualquer canto do Brasil ou do mundo: depois de uma gravidez muito precoce na adolescência, se torna mãe de família e abdica de si e de seus sonhos, apagada pelo patriarcado e pela imposição de ocupar o papel de mãe e esposa. Além da narração habilidosa que gera um texto fluido e delicioso de ser lido, o livro me conquistou pela alegria de reconhecer todas as referências locais de Aracaju - como é bom ter conterrâneo escritor. Em resumo: esse livro deve e merece ser lido por muita gente. Sem mais.
Nota: 10
O quarto livro de Guimarães Rosa (quinto, se contar o livro de poemas Magma, e sétimo, se contar a divisão sofrida por Corpo de Baile) é o livro ideal para ser introduzido na obra rosiana. São 21 contos, a maioria variando entre oito e dez páginas, e consideravelmente mais simples e fáceis do que as estórias presentes nos livros anteriores - sério, não aconselho a ninguém começar a ler Guimarães Rosa por Grande sertão: veredas. Dentre os 21 contos, temos aqui A terceira margem do rio, que deve ser o seu mais conhecido (talvez empatado com A hora e a vez de Augusto Matraga, que está em Sagarana) e traz a mítica narrativa de um homem que larga tudo para passar a vida numa canoa estreita, remando de cima a baixo um curto trecho de rio, sem que ninguém saiba o motivo. Rosa sendo Rosa: as poucas páginas do conto se abrem para inúmeros significados e possibilidades.
Nota: 10
Esse incrível romance de Vargas Llosa trata do fim de uma das ditaduras mais longevas e cruéis da América Latina, comandada pelo generalíssimo Rafael Trujillo na República Dominicana entre 1930 e 1961. O livro acompanha três frentes: a do próprio Trujillo, em seu cotidiano metodicamente planejado, a do grupo que planeja um atentado contra o ditador e a de Urania Cabral, filha de um dos homens mais leais a Trujillo, que caíra em desgraça antes mesmo da queda do regime. Ao longo de 450 páginas somos guiados pela narração magistral de Vargas Llosa, que mistura ficção e fatos históricos sem deixar de ser coeso ou coerente em nenhum momento, além de conseguir entrelaçar sutilmente as três frentes narrativas do romance. Não é difícil perceber porque A festa do bode é um dos livros mais importantes de Vargas Llosa: preciosa pesquisa histórica fundamentando a criatividade de uma das mais brilhantes figuras da literatura contemporânea.
Nota: 10
O queridinho entre os queridinhos de 2021 foi uma agradável surpresa. Ganhei esse livro de presente de uma amiga muito querida e o li há pouco mais de um mês. Terminado no fim de 2019, poucos meses antes do início da pandemia de COVID-19, o romance parece prever o cenário de isolamento que se impôs em todo o mundo a partir de março do ano passado. Os vivos e os outros se passa na Ilha de Moçambique, onde renomados escritores de alguns países africanos estão reunidos para um festival literário. Um dia antes de começar o festival uma tempestade sem proporções atinge a região, deixando a ilha totalmente isolada, sem eletricidade, sem sinal de telefone ou internet, e sem possibilidade de atravessar a ponte que liga a ínsula ao continente. Sem o contato com o mundo exterior, todos mergulham em reflexões coletivas sobre literatura, arte, o continente e mesmo a vida, mas também descobrem que é preciso olhar para dentro de si, na tentativa de resolver questões pessoais - principalmente quando surgem "os outros". Como assim? Prefiro que a descoberta seja feita com a leitura do livro, e não com meus comentários. Esse livro é incrível, sério. É prosa, mas é tão poético que apenas isso seria suficiente pra justificar o quanto ele é encantador. Mas há mais ainda. Muito mais.
Nota: 10
Luís F. Passos