sábado, 18 de abril de 2020

Me chame pelo seu nome – Luca Guadagnino, 2017


Em um belo verão no norte da Itália, um estudante estadunidense passa algumas semanas realizando um estágio sob a tutela de um renomado professor (Michael Stuhlbarg). Neste período, o rapaz não apenas trabalha como experimenta a vida local e compartilha de momentos de lazer e socialização junto à família de seu professor, que o acolhe não apenas como um estudante, mas como um querido e bem vindo convidado. Na casa, além do professor, residem sua esposa, seu filho e os funcionários locais. São semanas de cochilos preguiçosos ao sol, vinhos, comida, música, dança, flertes, livros e banhos refrescantes, tudo emoldurado com as mais bucólicas paisagens que a Itália pode oferecer. O cenário perfeito para aproveitar a vida. O cenário perfeito para se apaixonar.
Me chame pelo seu nome (Call me by your name, 2017) não é um filme de romance qualquer. O filme que, à primeira vista, relata a história de amor entre Elio (Timothee Chalamet) e Oliver (Armie Hammer), na verdade se apresenta como um profundo estudo de personagens. Apesar de o parágrafo inicial deste texto não deixar muito claro, o grande protagonista de Me chame pelo seu nome é Elio, filho do professor. O filme é centrado na visão de Elio e em como ele viveu este verão com a avassaladora paixão que se desenvolve entre ele e Oliver.
Não é um filme apenas sobre amor em si, mas sobre o processo de se apaixonar e o entusiasmo igualmente inocente e excitante de amar e ser amado pela primeira vez. Apesar de que, em teoria, o enredo nos força a nos apaixonar por Oliver, é por Elio que o espectador realmente desenvolve uma profunda conexão. Com 17 anos, Elio vivencia toda a enxurrada de emoções e incertezas caracteristicamente marcantes do término da adolescência, então todos os seus sentimentos simplesmente explodem na tela das maneiras mais íntimas possíveis. Conseguimos sentir sua ansiedade por chamar atenção do amado e por ser correspondido pelo mesmo, as dúvidas sobre seus sentimentos, a intensidade de sua sexualidade e até mesmo o desconforto de suas atitudes muitas vezes desengonçadas. Elio está entrando de cabeça em um mundo de sentimentos adultos que desafiam toda a vivência que seus poucos anos podem lhe oferecer. A maneira como é possível enxergar pelo menos um pouco de cada um de nós em Elio é tão efetiva (graças à atuação impecável e merecedora de Oscar de melhor ator de Timothee Chalamet) que é impossível não se identificar com o personagem, mesmo que este viva uma vida de privilégios e refinamento que simplesmente parece irreal, algo quase como um conto de fadas estranhamente intelectualizado. Me chame pelo seu nome é, portanto, muito mais que um filme de romance regular, mas sim um coming of age.
Uma das coisas que nitidamente mais fazem com que Elio sinta-se atraído por Oliver é a maneira como este parece estar sempre muito confortável com seu corpo, com seus atos. A segurança que este demonstra sobre si e em relação aos outros. Boa parte da manifestação de sentimentos em Me chame pelo seu nome – o que, inclusive, é trazido de maneira bem sensata pelo título e pela forma carinhosa como um se refere ao outro pelo próprio nome em momentos de intimidade – vem justamente do fato de ter o amor como um agente de aproximação entre duas pessoas que desejam tornar-se um o complemento do outro. Da mesma forma que Elio aprecia em Oliver e deseja para si toda a sua aparente confiança, Oliver deseja neste de maneira quase invejável a coragem em demonstrar seus sentimentos e a liberdade que um seio familiar tão acolhedor é capaz de promover para que este se expresse de uma maneira que Oliver dificilmente poderia fazer dentro de seu contexto pessoal.
É curioso que, ao contrário da maioria dos filmes que possuem casais LGBTQ+ no foco principal, Me chame pelo seu nome não gira em torno de orientação sexual propriamente dita. Obviamente, é impossível não esbarrar no tema em diversos momentos e a sexualidade define muito do comportamento e da maneira como eles conduzem seu relacionamento durante aquelas semanas, mas o ponto central aqui é o amadurecimento pessoal de Elio. O envolvimento entre dois homens é tratado de maneira orgânica, delicada e em um cenário de aceitação, algo muito distinto do que se pode ter na maioria dos filmes com casais LGBTQ+ que, em virtude de o mundo ser como é, comumente trazem enredos trágicos. O filme, inclusive, tem um pequeno monólogo dado pelo pai de Elio sobre a necessidade de aceitar os sentimentos, o amor em suas diferentes formas e permitir-se sofrer como forma de crescimento pessoal que provavelmente é um dos melhores monólogos do cinema estadunidense dos últimos anos.
Todos esses amores e angústias culminam com uma das minhas cenas preferidas de encerramento em um filme. Ao som da perfeita canção Visions of Gideon (do genial Sufjan Stevens), Me chame pelo seu nome deixa uma última e silenciosa mensagem: na tristeza ou na alegria, a vida é feita para ser sentida e sentimentos sempre valem a pena.

Nota: 10

Lucas Moura

terça-feira, 14 de abril de 2020

Lady Bird - Greta Gerwig, 2017


A obra-prima de Greta Gerwig foi um dos maiores sucessos comerciais dentro do cinema alternativo dos últimos anos e foi um dos filmes mais comentados e aclamados pela crítica no ano de seu lançamento. Muito foi e ainda é discutido sobre o filme desde 2017. Curiosamente, à primeira vista, o filme – como tantos outros que podem ser encaixados nessa concepção do “mumblecore” – parece não ser dos mais complexos em virtude de como o enredo se desenvolve e de como todos os acontecimentos parecem banais e corriqueiros demais, mas é justamente nesse retrato do cotidiano que o filme realmente brilha e nos faz lembrar o quanto de beleza e intensidade passam despercebidos no meio da rotina.
O filme é um coming of age clássico e traz a trajetória de Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan), uma adolescente de 17 anos de personalidade forte e grandes desejos de ser muito mais do que a vida lhe parece oferecer. O que ela tem? Uma vida de classe média nos subúrbios de Sacramento (ninguém pensa em Sacramento quando pensa em Califórnia, verdade?), uma educação religiosa não necessariamente opressiva, mas definitivamente pouco estimulante e um convívio familiar típico com uma mãe tão carinhosa quanto sufocante (Laurie Metcalf), um pai amoroso lutando contra depressão, um irmão mais velho e sua cunhada (todos vivendo num espaço aparentemente pequeno). O que ela deseja? Não sei. Ninguém sabe. Nem ela sabe. E aí está a mágica do filme, Lady Bird é um filme sobre os anseios e crises de personalidade de uma adolescente que está buscando seu lugar no mundo, sem saber ao certo onde ou como quer chegar e o que irá fazer a partir daí. Dessa forma, vemos Lady Bird passear por todos os tipos de experiências tristes, patéticas, engraçadas, desconfortáveis e gloriosas que realmente fazem parte do processo natural de formação de identidade. Ela se envolve com diferentes projetos na escola, toma atitudes claramente reprováveis, questiona novos e antigos amigos, desenvolve diferentes relacionamentos amorosos, mente, trabalha, adapta-se, cai e levanta. Até um novo nome (que convenientemente evoca liberdade) ela decide adotar. Tudo isso faz parte de uma longa jornada de descoberta, que, como o filme aparentemente leva a entender, nunca termina.
Em tempos de Time’s Up (movimento comandado por diversas personalidades femininas de grande importância midiática mundial que é participante ativo na luta feminista em nossa época), um filme escrito e dirigido por uma mulher (Greta Gerwig) e com protagonismo feminino (Saoirse Ronan) não poderia encontrar um momento melhor. Com todos seus defeitos, Lady Bird, no fim das contas, não se dobra a ninguém, é extremamente persistente nos seus objetivos e apesar de não saber exatamente quem ela é, fica muito claro o que ela não quer para si. Mesmo em muitos momentos ela parecer egoísta e rude (adolescentes, am I right?), levantar a voz em defesa própria o tempo todo exige coragem.
À parte do quão interessante Lady Bird é como personagem por si só, a relação entre esta com a mãe também é um grande forte do filme. Não é um relacionamento fácil de maneira alguma. Por um lado, Lady Bird parece muito egoísta e toma atitudes que claramente soam como desrespeito ou falta de consideração pelos pais. Por outro lado, Marion (Laurie Metcalf) é, realmente sufocante, parece estar sempre irritada com alguma coisa e mesmo com muito esforço não consegue não depositar um pouco da sobrecarga que vem passando no relacionamento com sua filha. Enfim, relação clássica de pais e filhos. De um lado, uma filha que às vezes pesa a mãe na necessidade de autoafirmação como indivíduo, no outro uma mãe que pesa a mão numa tentativa de controle por estar, também, em processo de adaptação pela chegada iminente da “hora de voar” de sua filha. Simples, banal e corriqueiro amor. O carinho de Lady Bird pela sua família, sua melhor amiga e pela cidade de Sacramento (que em tantos momentos ela se referiu de maneira depreciativa) vão ficando cada vez mais claros conforme ela vai se despedindo da cidade, o que ainda traz um agridoce lembrete de sempre olhar com afeto para o que temos ao nosso lado.

Nota: 10

Lucas Moura