Em um belo verão no
norte da Itália, um estudante estadunidense passa algumas semanas realizando um
estágio sob a tutela de um renomado professor (Michael Stuhlbarg). Neste
período, o rapaz não apenas trabalha como experimenta a vida local e
compartilha de momentos de lazer e socialização junto à família de seu
professor, que o acolhe não apenas como um estudante, mas como um querido e bem
vindo convidado. Na casa, além do professor, residem sua esposa, seu filho e os
funcionários locais. São semanas de cochilos preguiçosos ao sol, vinhos,
comida, música, dança, flertes, livros e banhos refrescantes, tudo emoldurado
com as mais bucólicas paisagens que a Itália pode oferecer. O cenário perfeito
para aproveitar a vida. O cenário perfeito para se apaixonar.
Me chame pelo seu nome
(Call me by your name, 2017) não é um filme de romance qualquer. O filme que, à
primeira vista, relata a história de amor entre Elio (Timothee Chalamet) e
Oliver (Armie Hammer), na verdade se apresenta como um profundo estudo de personagens.
Apesar de o parágrafo inicial deste texto não deixar muito claro, o grande
protagonista de Me chame pelo seu nome é Elio, filho do professor. O filme é
centrado na visão de Elio e em como ele viveu este verão com a avassaladora
paixão que se desenvolve entre ele e Oliver.
Não é um filme apenas
sobre amor em si, mas sobre o processo de se apaixonar e o entusiasmo
igualmente inocente e excitante de amar e ser amado pela primeira vez. Apesar
de que, em teoria, o enredo nos força a nos apaixonar por Oliver, é por Elio
que o espectador realmente desenvolve uma profunda conexão. Com 17 anos, Elio
vivencia toda a enxurrada de emoções e incertezas caracteristicamente marcantes
do término da adolescência, então todos os seus sentimentos simplesmente
explodem na tela das maneiras mais íntimas possíveis. Conseguimos sentir sua
ansiedade por chamar atenção do amado e por ser correspondido pelo mesmo, as
dúvidas sobre seus sentimentos, a intensidade de sua sexualidade e até mesmo o
desconforto de suas atitudes muitas vezes desengonçadas. Elio está entrando de
cabeça em um mundo de sentimentos adultos que desafiam toda a vivência que seus
poucos anos podem lhe oferecer. A maneira como é possível enxergar pelo menos
um pouco de cada um de nós em Elio é tão efetiva (graças à atuação impecável e
merecedora de Oscar de melhor ator de Timothee Chalamet) que é impossível não
se identificar com o personagem, mesmo que este viva uma vida de privilégios e
refinamento que simplesmente parece irreal, algo quase como um conto de fadas
estranhamente intelectualizado. Me chame pelo seu nome é, portanto, muito mais
que um filme de romance regular, mas sim um coming of age.
Uma das coisas que
nitidamente mais fazem com que Elio sinta-se atraído por Oliver é a maneira
como este parece estar sempre muito confortável com seu corpo, com seus atos. A
segurança que este demonstra sobre si e em relação aos outros. Boa parte da
manifestação de sentimentos em Me chame pelo seu nome – o que, inclusive, é
trazido de maneira bem sensata pelo título e pela forma carinhosa como um se
refere ao outro pelo próprio nome em momentos de intimidade – vem justamente do
fato de ter o amor como um agente de aproximação entre duas pessoas que desejam
tornar-se um o complemento do outro. Da mesma forma que Elio aprecia em Oliver
e deseja para si toda a sua aparente confiança, Oliver deseja neste de maneira
quase invejável a coragem em demonstrar seus sentimentos e a liberdade que um
seio familiar tão acolhedor é capaz de promover para que este se expresse de uma
maneira que Oliver dificilmente poderia fazer dentro de seu contexto pessoal.
É curioso que, ao
contrário da maioria dos filmes que possuem casais LGBTQ+ no foco principal, Me
chame pelo seu nome não gira em torno de orientação sexual propriamente dita.
Obviamente, é impossível não esbarrar no tema em diversos momentos e a
sexualidade define muito do comportamento e da maneira como eles conduzem seu
relacionamento durante aquelas semanas, mas o ponto central aqui é o
amadurecimento pessoal de Elio. O envolvimento entre dois homens é tratado de
maneira orgânica, delicada e em um cenário de aceitação, algo muito distinto do
que se pode ter na maioria dos filmes com casais LGBTQ+ que, em virtude de o
mundo ser como é, comumente trazem enredos trágicos. O filme, inclusive, tem um
pequeno monólogo dado pelo pai de Elio sobre a necessidade de aceitar os
sentimentos, o amor em suas diferentes formas e permitir-se sofrer como forma
de crescimento pessoal que provavelmente é um dos melhores monólogos do cinema
estadunidense dos últimos anos.
Todos esses amores e
angústias culminam com uma das minhas cenas preferidas de encerramento em um
filme. Ao som da perfeita canção Visions of Gideon (do genial Sufjan Stevens),
Me chame pelo seu nome deixa uma última e silenciosa mensagem: na tristeza ou
na alegria, a vida é feita para ser sentida e sentimentos sempre valem a pena.
Nota: 10
Lucas Moura
Lucas Moura