A obra-prima de Greta
Gerwig foi um dos maiores sucessos comerciais dentro do cinema alternativo dos
últimos anos e foi um dos filmes mais comentados e aclamados pela crítica no
ano de seu lançamento. Muito foi e ainda é discutido sobre o filme desde 2017.
Curiosamente, à primeira vista, o filme – como tantos outros que podem ser
encaixados nessa concepção do “mumblecore” – parece não ser dos mais complexos
em virtude de como o enredo se desenvolve e de como todos os acontecimentos
parecem banais e corriqueiros demais, mas é justamente nesse retrato do
cotidiano que o filme realmente brilha e nos faz lembrar o quanto de beleza e
intensidade passam despercebidos no meio da rotina.
O filme é um coming of
age clássico e traz a trajetória de Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse
Ronan), uma adolescente de 17 anos de personalidade forte e grandes desejos de
ser muito mais do que a vida lhe parece oferecer. O que ela tem? Uma vida de
classe média nos subúrbios de Sacramento (ninguém pensa em Sacramento quando
pensa em Califórnia, verdade?), uma educação religiosa não necessariamente
opressiva, mas definitivamente pouco estimulante e um convívio familiar típico
com uma mãe tão carinhosa quanto sufocante (Laurie Metcalf), um pai amoroso
lutando contra depressão, um irmão mais velho e sua cunhada (todos vivendo num
espaço aparentemente pequeno). O que ela deseja? Não sei. Ninguém sabe. Nem ela
sabe. E aí está a mágica do filme, Lady Bird é um filme sobre os anseios e
crises de personalidade de uma adolescente que está buscando seu lugar no
mundo, sem saber ao certo onde ou como quer chegar e o que irá fazer a partir
daí. Dessa forma, vemos Lady Bird passear por todos os tipos de experiências
tristes, patéticas, engraçadas, desconfortáveis e gloriosas que realmente fazem
parte do processo natural de formação de identidade. Ela se envolve com
diferentes projetos na escola, toma atitudes claramente reprováveis, questiona
novos e antigos amigos, desenvolve diferentes relacionamentos amorosos, mente,
trabalha, adapta-se, cai e levanta. Até um novo nome (que convenientemente
evoca liberdade) ela decide adotar. Tudo isso faz parte de uma longa jornada de
descoberta, que, como o filme aparentemente leva a entender, nunca termina.
Em tempos de Time’s Up
(movimento comandado por diversas personalidades femininas de grande
importância midiática mundial que é participante ativo na luta feminista em
nossa época), um filme escrito e dirigido por uma mulher (Greta Gerwig) e com
protagonismo feminino (Saoirse Ronan) não poderia encontrar um momento melhor.
Com todos seus defeitos, Lady Bird, no fim das contas, não se dobra a ninguém,
é extremamente persistente nos seus objetivos e apesar de não saber exatamente
quem ela é, fica muito claro o que ela não quer para si. Mesmo em muitos
momentos ela parecer egoísta e rude (adolescentes, am I right?), levantar a voz
em defesa própria o tempo todo exige coragem.
À parte do quão
interessante Lady Bird é como personagem por si só, a relação entre esta com a
mãe também é um grande forte do filme. Não é um relacionamento fácil de maneira
alguma. Por um lado, Lady Bird parece muito egoísta e toma atitudes que
claramente soam como desrespeito ou falta de consideração pelos pais. Por outro
lado, Marion (Laurie Metcalf) é, realmente sufocante, parece estar sempre
irritada com alguma coisa e mesmo com muito esforço não consegue não depositar
um pouco da sobrecarga que vem passando no relacionamento com sua filha. Enfim,
relação clássica de pais e filhos. De um lado, uma filha que às vezes pesa a
mãe na necessidade de autoafirmação como indivíduo, no outro uma mãe que pesa a
mão numa tentativa de controle por estar, também, em processo de adaptação pela
chegada iminente da “hora de voar” de sua filha. Simples, banal e corriqueiro
amor. O carinho de Lady Bird pela sua família, sua melhor amiga e pela cidade
de Sacramento (que em tantos momentos ela se referiu de maneira depreciativa)
vão ficando cada vez mais claros conforme ela vai se despedindo da cidade, o
que ainda traz um agridoce lembrete de sempre olhar com afeto para o que temos
ao nosso lado.
Nota: 10
Lucas Moura
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