Intensos. Talvez esta seja uma
palavra apropriada para descrever os filmes de David Fincher ao longo de um
pouco mais de duas décadas de trabalho. Seu último longa, Garota exemplar (Gone girl,
2014), trouxe intriga, choque e surpresas. Baseado em livro homônimo de Gillian
Flynn (que também assina o impecável roteiro da adaptação cinematográfica) e
ostentando uma nota 8,1 no IMDB e uma aprovação de 88% no Rotten Tomatoes, Garota exemplar mostra que o diretor que
já foi responsável por poderosos filmes – alguns, inclusive, já clássicos
modernos – como Seven e Clube da luta ainda tem muito a oferecer aos cinéfilos.
Após já haver dissecado contos sobre serial killers, hackers problemáticas,
milagres/anomalias da genética, crimes de todos os tipos e até redes sociais e
o comportamento moderno, Fincher resolve, neste filme, esmiuçar um elemento
social muito complexo e muitas vezes danoso: o casamento.
Garota exemplar é muitas coisas, mas, majoritariamente, é um filme sobre Amy (Rosamund
Pike) e Nick (Bem Affleck).
Amy. A garota perfeita. A “cool
girl” dos sonhos. Inteligente. Sagaz. Linda. Sexy. Criativa. Interessante.
Nick. O cara perfeito. O homem dos
sonhos. Inteligente. Sagaz. Lindo. Sexy. Criativo. Interessante.
A união dos dois parece traçada pelo
destino. O “felizes para sempre” de um conto de fadas embalado pela magia de
uma Nova Iorque tão adequada à personalidade arrojada do casal. Tudo, de fato,
caminha muito bem no inicio da relação, mas nada que o tempo, a falta de dinheiro
e pequenas ofensas e agressões (não físicas) praticados um ao outro não
consigam estragar. De casal descolado em Nova Iorque, os dois se tornam um
casal suburbano vivendo no interior do Missouri (cidade natal de Nick, onde os
dois tiveram de morar numa tentativa de ajudar a mãe dele, que sofria de câncer
em estágio avançado). De casal apaixonado, se tornam uma dupla de estranhos
arredios e desconfiados, sem ligação afetiva, dividindo um mesmo teto. Tudo
muda no dia de mais um aniversário de casamento, quando Amy simplesmente
desaparece e todos os rastros deste mistério levam a Nick como culpado de algum
crime envolvendo sua esposa. O marido frio, distante e ressentido, aparentemente,
também é um assassino. Mas, afinal, quem está dizendo a verdade?
Esta é a trama fundamental: um
casamento e um crime. Ao longo do filme, vamos acompanhando toda a investigação
policial em busca do paradeiro de Amy e a elucidação dos fatores envolvidos que
levam de diversas formas a Nick como provável culpado – com, ainda, a
participação de sua irmã gêmea e confidente Margo (Carrie Coon). Engana-se,
porém, quem acredita que o enredo é limitado a um filme de investigação
policial. O filme vai muito além. Garota
exemplar se desenvolve como uma profunda – e de certo humor negro – análise
dos danos que um casal é capaz de infligir um a outro. Um filme sobre erros e mentiras
que montam a vida conjugal e sobre as máscaras que usamos para nos esconder
mesmo estando ao lado das pessoas que nos são mais próximas. Como se só este
aspecto já não valesse para que o filme fosse muito interessante, Garota exemplar também é uma análise de
personagem incrível. O trabalho que Gillian Flyn faz ao criar o casal
protagonista é primoroso, principalmente no que diz respeito à Amy. Amy não se
encaixa em qualquer estereótipo que se possa pensar. De inicialmente esposa
troféu, acaba se despindo de todas as aparências, de todas as convenções sociais
e, por fim, esbanja sadismo e psicopatia. Inteligente, manipuladora, vingativa,
metódica e cruel, Amy simplesmente não tem limites para conseguir o que quer. Isso
tudo coroado com a atuação impecável (não tem outra palavra para descrever) de Rosamund
Pike. Num contexto de excelência, ela consegue se destacar como o que há de
mais memorável e é responsável por cenas inesquecíveis.
Nota: 9/10
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