sábado, 8 de outubro de 2016

Garota exemplar - "o que fizemos um ao outro?"

Intensos. Talvez esta seja uma palavra apropriada para descrever os filmes de David Fincher ao longo de um pouco mais de duas décadas de trabalho. Seu último longa, Garota exemplar (Gone girl, 2014), trouxe intriga, choque e surpresas. Baseado em livro homônimo de Gillian Flynn (que também assina o impecável roteiro da adaptação cinematográfica) e ostentando uma nota 8,1 no IMDB e uma aprovação de 88% no Rotten Tomatoes, Garota exemplar mostra que o diretor que já foi responsável por poderosos filmes – alguns, inclusive, já clássicos modernos – como Seven e Clube da luta ainda tem muito a oferecer aos cinéfilos. Após já haver dissecado contos sobre serial killers, hackers problemáticas, milagres/anomalias da genética, crimes de todos os tipos e até redes sociais e o comportamento moderno, Fincher resolve, neste filme, esmiuçar um elemento social muito complexo e muitas vezes danoso: o casamento.


Garota exemplar é muitas coisas, mas, majoritariamente, é um filme sobre Amy (Rosamund Pike) e Nick (Bem Affleck).

Amy. A garota perfeita. A “cool girl” dos sonhos. Inteligente. Sagaz. Linda. Sexy. Criativa. Interessante.

Nick. O cara perfeito. O homem dos sonhos. Inteligente. Sagaz. Lindo. Sexy. Criativo. Interessante.

A união dos dois parece traçada pelo destino. O “felizes para sempre” de um conto de fadas embalado pela magia de uma Nova Iorque tão adequada à personalidade arrojada do casal. Tudo, de fato, caminha muito bem no inicio da relação, mas nada que o tempo, a falta de dinheiro e pequenas ofensas e agressões (não físicas) praticados um ao outro não consigam estragar. De casal descolado em Nova Iorque, os dois se tornam um casal suburbano vivendo no interior do Missouri (cidade natal de Nick, onde os dois tiveram de morar numa tentativa de ajudar a mãe dele, que sofria de câncer em estágio avançado). De casal apaixonado, se tornam uma dupla de estranhos arredios e desconfiados, sem ligação afetiva, dividindo um mesmo teto. Tudo muda no dia de mais um aniversário de casamento, quando Amy simplesmente desaparece e todos os rastros deste mistério levam a Nick como culpado de algum crime envolvendo sua esposa. O marido frio, distante e ressentido, aparentemente, também é um assassino. Mas, afinal, quem está dizendo a verdade?


Esta é a trama fundamental: um casamento e um crime. Ao longo do filme, vamos acompanhando toda a investigação policial em busca do paradeiro de Amy e a elucidação dos fatores envolvidos que levam de diversas formas a Nick como provável culpado – com, ainda, a participação de sua irmã gêmea e confidente Margo (Carrie Coon). Engana-se, porém, quem acredita que o enredo é limitado a um filme de investigação policial. O filme vai muito além. Garota exemplar se desenvolve como uma profunda – e de certo humor negro – análise dos danos que um casal é capaz de infligir um a outro. Um filme sobre erros e mentiras que montam a vida conjugal e sobre as máscaras que usamos para nos esconder mesmo estando ao lado das pessoas que nos são mais próximas. Como se só este aspecto já não valesse para que o filme fosse muito interessante, Garota exemplar também é uma análise de personagem incrível. O trabalho que Gillian Flyn faz ao criar o casal protagonista é primoroso, principalmente no que diz respeito à Amy. Amy não se encaixa em qualquer estereótipo que se possa pensar. De inicialmente esposa troféu, acaba se despindo de todas as aparências, de todas as convenções sociais e, por fim, esbanja sadismo e psicopatia. Inteligente, manipuladora, vingativa, metódica e cruel, Amy simplesmente não tem limites para conseguir o que quer. Isso tudo coroado com a atuação impecável (não tem outra palavra para descrever) de Rosamund Pike. Num contexto de excelência, ela consegue se destacar como o que há de mais memorável e é responsável por cenas inesquecíveis.


Nota: 9/10


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domingo, 2 de outubro de 2016

Apenas uma noite - fidelidade

Uma vida conjugal pode ser tudo, menos fácil. Apenas uma noite (Last night, 2010) – como o nome já deixa bem claro – se desenvolve basicamente em torno de uma noite que pode mudar completamente a dinâmica de um casamento de quatro anos entre um jovem casal vivendo na cidade de Nova York. Dentro destas poucas horas e separados por quilômetros de distância, Joanna (Keira Knightley) e Michael (Sam Worthington) vão colocar à prova o amor que sentem um pelo outro, valores próprios de lealdade e companheirismo e os pilares que sustentam seu relacionamento quando se encontram – justamente em um momento de leve fragilidade conjugal – envolvidos por tentações fora do matrimônio. Ele, em meio aos encantos de uma atraente companheira de trabalho (Eva Mendes), juntos numa viagem a trabalho. Ela, no surpreendente reencontro com um antigo namorado (Guillaume Canet) que reacende um honesto sentimento.


O filme passeia, então, ao longo de lentos (mas não tediosos) 90 minutos em torno dos sentimentos destas quatro personagens e nos delicados laços que as une. A temática central, dentro do grande espectro de ser um filme de romance sobre o funcionamento de um casamento em si, é mesmo a fidelidade e questões diversas envolvidas no peso que se dá a mesma dentro de um casamento. Sem fazer julgamentos morais, este é um filme mais observador que não propõe nenhuma resposta definitiva, apenas se desenrola em torno das ações de cada personagem.

Lotado de toques de leveza e diálogos corriqueiros, é difícil também não se sentir em nenhum momento próximo ao drama das personagens, especialmente em relação à Joanna, cuja personalidade é a melhor trabalhada na trama e que mantém (de longe) o eixo mais interessante da mesma. Sem que se levante qualquer julgamento, e a depender de quem assiste, o filme é capaz de evocar bastante empatia, identificação e até algumas doses de nostalgia. Não necessariamente dos fatos em si, mas dos sentimentos envolvidos. Seria muito interessante, e acredito que tornaria o filme melhor, se o eixo de Michael fosse bem trabalhado também. Este lado da trama beira o desinteressante e não tem nem metade do aspecto sentimental da outra e acaba enfraquecendo o filme como um todo. Parte disso eu acredito que se deve à interpretação apática de Sam Worthington.

Nota: 7/10

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