quinta-feira, 15 de maio de 2014

Era uma vez no Oeste - a Ópera italiana no Velho Oeste



As décadas de 40 e 50 representaram o apogeu do western americano. Nomes como John Ford, Sam Peckimpah foram responsáveis pela expansão do gênero, que se tornou um dos mais queridos pelos americanos. Nos anos 60 o western persistia, mas crise que atingia a industria de Hollywood chegou para todos os tipos de filme, e não foi diferente para ele. Mesmo sendo um estilo adorado nos Estados Unidos, acabou perdendo um pouco de sua força, ao contrário do que acontecia na Itália com os chamados western spaghetti, de onde se destacou um jovem e promissor diretor, Sergio Leone.

Era uma vez no Oeste (C'era una volta il West / Once upon a time in West, 1968)é um dos três filmes que tiveram excelentes restaurações sobre os quais queria falar aqui no blog. A sequência de abertura diz muito sobre o porquê. Enquanto três homens esperam por um trem numa pequena e decrépita estação, são incomodados por uma goteira e uma mosca - os mínimos detalhes são explorados. Assim que o trem chega, o som da gaita tocada por um homem que permanece sem identificação até o fim do filme põe o recém-chegado de frente àqueles que o esperavam, e começa o bang bang. A inesquecível cena é o ponto de partida para a história guiada por quatro protagonistas: Harmônica, apelido recebido pelo desconhecido da gaita (Charles Bronson); Frank (Henry Fonda), o sádico bandido líder de um grupo de criminosos; o bandido Cheyenne (Jason Robards), líder de outro grupo e Jill (Claudia Cardinale), ex-prostituta de Nova Orleans que chega no deserto para recomeçar a vida ao lado de sua nova família.
O enredo se desenvolve a partir da chegada de Jill à fazenda de seu marido, quando encontra ele e os três enteados mortos. A chacina, inicialmente sem explicações, é ligada ao grupo de Frank, mas por muito tempo o motivo é desconhecido. É a chegada de Harmônica e a aproximação de Cheyenne que vão esclarecendo o porquê da morte da família de Jill, tendo relação direta com com Morton, o magnata das ferrovias que mantém ligações com Frank. Aos poucos, também é explicada a razão da chegada de Harmônica ao lugar, motivada por um antigo desejo de vingança e reforçada pela vontade de ajudar a jovem viúva, junto a Cheyenne.
Há um erro na tradução do título original italiano: C'era una volta il West, ou seja, "Era uma vez o Oeste", e não "no Oeste". O título sugere a destruição da identidade do Oeste e do que aconteceu ao seu povo com a chegada das ferrovias graças à ambição e violência dos empresários, representados no filme por Morton. Arrasar as paisagens e matar os colonos que não cedessem suas terras era algo comum na segunda metade do século XIX, quando houve a expansão ferroviária rumo à Costa Leste americana. Enquanto John Ford em Rastros de Ódio (1956) usou a paisagem árida para representar a dificuldade dos colonos em se estabelecerem no deserto, Leone a usa (inclusive gravou no Arizona e em Utah, locações preferidas de Ford) para mostrar que a força da locomotiva não era detida nem mesmo pela insalubridade do ambiente, reforçando que os empresários eram como "lesmas que deixam dois brilhantes e pegajosos trilhos".
O estilo forte e inconfundível de Leone inicialmente não foi bem recebido por crítica e público, que só anos mais tarde entendeu que não era pretensão do diretor criar um western convencional, nem mesmo um western spaghetti como os italianos tanto gostavam e o mundo hoje cultua. É basicamente um filme italiano, com fortes influências da tradição da ópera, que se passa no Velho Oeste. Muito além de tiroteios constantes, Era uma vez no Oeste é sensivelmente contido e mostra seu valor desde a grandiosidade dos amplos espaços até os closes em olhares que muito dizem sobre luto, ressentimento, orgulho e vingança.

Nota: 10

Luís F. Passos

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