quarta-feira, 31 de julho de 2013

Julieta dos Espíritos - Fellini e a psique

 Dono de uma vasta e diversificada filmografia, o diretor italiano Federico Fellini deixou uma boa quantidade de clássicos indispensáveis do cinema. Em filmes como Oito e meio, provavelmente o seu mais popular e mais importante, Fellini esboça análises psicológicas sobre suas personagens, mesclando elementos reais com fantasia e ilusão, atribuindo quase que uma perda de linearidade entre estes dois pontos extremos e criando produções oníricas.
Tendo em mente este tipo de trabalho, uma de suas grandes contribuições às artes foi o filme de 1965 Julieta dos espíritos (Giulietta degli spiriti), que se aventura pela alma e pela mente de uma mulher de meia idade, Julieta, que perambula entre recôncavos geográficos, cômodos de sua casa e cantos de sua própria mente perdida entre seus desejos e seus anseios. A experiência fantasiosa e confusa de auto-descoberta e liberação de Julieta inicia-se quando ela descobre a infidelidade de seu marido. Esta descoberta quebra um equilíbrio aparentemente perfeito em sua vida de dona de casa e esposa devotada, abrindo margem para o confronto direto com sua identidade pessoal e a exploração de seus desejos.
Estes desejos, sempre reprimidos, explodem em viagens dentro da psique de Julieta. Enquanto passeia entre lugares e pessoas ilusórias, as quais se divertem e experimentam prazeres diversos, é quase sempre uma observadora passiva com olhos de fascínio. A partir do momento que este envolvimento torna-se mais próximo, o fascínio pelo “proibido” vai se intercalando com a repressão a qual sempre lhe foi imposta desde sua infância, onde recebeu educação fervorosamente religiosa e opressiva. Toda e qualquer manifestação de realização pessoal e perda de “autocontrole”, mesmo que ilusória, é traduzida pela própria Julieta como crime passível de punição. Os espíritos que a cercam e a impelem ao descontrole caminham lado a lado com as figuras opressoras de um passado real, como a de sua própria mãe, uma constante contestadora do estilo pessoal e da personalidade da filha.
O longa tem um leve toque autobiográfico. A atriz protagonista é Giulietta Masina, esposa de Fellini e, possivelmente, existam mais semelhanças entre elas duas do que se sabe. A começar, a própria escolha do nome da protagonista ser o mesmo da atriz principal já evidencia que foi um papel construído à maneira da mesma. Além do mais, o cerne de Julieta dos espíritos está na infidelidade, também vivenciada no conturbado relacionamento de Fellini e Giulietta.
Primeiro filme em cores de sua filmografia, assim como Jean Luc-Godard fez com os planos abertos de O desprezo, Fellini enche de cores fortes e vívidas seus cenários fechados e todas as locações imaginárias de Julieta. Sequências completas são tratadas apenas em tons fortes de vermelho ou verde que dão uma vivacidade ao estilo Almodóvar, mas que são contrastados a ambientes brancos, claros e de iluminação natural. Às cores, associam-se trilha sonora constante e marcante e fotografia apropriada ao delírio e à calmaria.

Nota: 10

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Lucas Moura

sábado, 27 de julho de 2013

Sagaranando recomenda: Headhunters

Headhunters é centrado na figura de Roger Brown, que é um headhunter, na verdade, o melhor deles - um o quê? Headhunter é o profissional contratado por empresas para escolher os executivos e apontar aquele que parece ser mais apto para tal cargo, e a empresa praticamente só precisa assinar o contrato. As habilidades de um headhunter são uma mistura de psicólogo, executivo, mestre de cerimônias, policial e vizinha fofoqueira, afinal ele deve indicar realmente o melhor candidato, ou sua reputação já era. Outra coisa exigida de um headhunter é a boa aparência, e nisso Roger não deixa a desejar. Apesar de sua baixa estatura, coisa da qual ele reclama várias vezes, Roger compensa com muita elegância e roupas caras, além de ostentar um estilo de vida luxuoso, que inclui uma galeria de arte administrada por sua linda esposa Diana. Acontece que os ordenados e os bônus de seu emprego e o pouco lucro dado pela galeria não são suficientes para manter tão alto padrão - é aí que entra a atividade complementar: roubo de obras de arte. Com a ajuda de um parceiro que trabalha numa empresa de segurança privada, Roger rouba telas e as vende no mercado negro.
Tudo corre bem, até que Roger conhece Clas Greve, executivo holandês brilhante que lhe traria duplo sucesso: além de ser o candidato perfeito para uma grande empresa tecnológica, Greve era proprietário de uma valiosíssima pintura de Rubens que se julgava perdida desde a 2ª Guerra. Mas contrariando todas as expectativas, o que seria um golpe de mestre se torna uma corrida de vida ou morte, em que Roger se vê caçado pelo maníaco Greve, ao mesmo tempo em que acha que foi traído por sua Diana.
Ao longo de pouco mais de duzentas páginas, Jo Nesbo nos conduz por uma perigosa história cujo suspense foi a garantia de seu sucesso internacional. O rápido ritmo do livro acelera diversas vezes, acompanhando os riscos corridos por Roger; o que nos remete a autores como Stieg Larsson, da trilogia Millenium, e que particularmente me lembrou o livro O vendedor de armas, de Hugh Laurie (sim, House) pelo sarcasmo e humor ácido muito bem aplicados durante todo o livro. Não dá pra revelar muito mais coisa pra não estragar as boas surpresas do livro, então pra terminar eu digo que ainda podemos confiar nas listas de livros mais vendidos.

Nota: 7,0/ 10

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Luís F. Passos

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Escolha de Sofia - o peso do passado


Meryl Streep é a atriz mais consagrada do cinema atual. Carreira vasta, sem pausas e com uma quantidade considerável de clássicos modernos e papéis memoráveis. No início de sua carreira, Meryl já emplacava um sucesso atrás do outro. Após a vitória no Oscar como atriz coadjuvante por Kramer vs. Kramer em 1979, seu primeiro grande destaque expressivo, ela entrou nos anos 80 com a missão clara de se tornar a atriz mais requisitada da década, momento o qual em que se tornou aquela que conseguia sempre os melhores papéis. Não necessariamente os melhores filmes, mas sempre os melhores papéis. No início dessa jornada, Meryl conseguiu chegar ao topo para uma atriz americana, consagrando-se com um Oscar de melhor atriz pelo filme que a tornou oficialmente um ícone: A escolha de Sofia (Sophie’s choice, 1982).
O filme em si não tem grande diferencial. Resumidamente, é a história de um jovem escritor sulista, Stingo, que chega ao Brooklyn com a intenção de amadurecer como pessoa e como artista, podendo, desta forma, desenvolver melhor seu trabalho ainda fresco. Lá, vivendo numa casa cuja cor alegre disfarça muito bem a obscuridade da vida de seus moradores, ele torna-se amigo íntimo de dois de seus vizinhos. O instável casal Nathan (Kevin Kline) e Sophia (Meryl Streep). O filme se desenrola em torno desta relação entre os três amigos, que se torna, invariavelmente, um triângulo amoroso deturpado. A relação amorosa de conflitos entre Nathan e Sophia é totalmente complexa e fundamentada em instabilidades emocionais diversas que são bem elucidadas e trabalhadas ao longo do filme. Apesar de Nathan ser uma personagem demasiadamente complexa, o filme gira em torno, quase que exclusivamente, de Sophia e seu passado.
Sophia é polonesa. Uma sobrevivente de Auschwitz. Desde o começo, fica nítido a qualquer olhar mais observador que toda sua figura alegre e vívida na verdade é um grande disfarce para esconder fantasmas de seu passado. Este passado é o foco do filme e tudo converge para sua construção e elucidação. Dessa forma, os conflitos internos do trio são intercalados, em momentos de diálogos (na verdade monólogos) encabeçados por Meryl. As experiências vividas por Sophia no campo de concentração são, realmente as mais terríveis possíveis. Digamos inimaginavelmente terríveis. Por mais que seja esperado algo sério devido o teor questão, a grande revelação do por que do título é inevitavelmente chocante. Um dos momentos mais tristes de filmes de um modo geral.
Apesar de ter toda sua base centrada no nazismo, A escolha de Sofia não é lembrado corretamente por este aspecto. Na verdade, filmes sobre o sofrimento das vítimas do nazismo existem em massa. Não que seja ruim ressaltar sempre os horrores de tal atrocidade, mas para que o filme se desenvolva melhor e se transforme em algo mais notável, tem que ter algum diferencial. O diferencial é Meryl. Dar todo o destaque e mérito pra ela foi toque de mestre do diretor Alan J. Pakula. A atriz encara uma das mais complexas, intensas e difíceis personagens do cinema americano. Dá pra sentir no seu modo de falar, na sua face, na sua postura que aquela mulher é extremamente ressentida e carrega um peso enorme sobre algo que, por grande parte do filme, não fazemos a menor idéia do que é. O que mantém o espectador ligado em A escolha de Sofia está longe de ser o nazismo em si ou muito menos o triângulo amoroso confuso. É Meryl. Meryl o tempo todo. Ela sintetiza, neste filme, a perfeição em atuar. Sua vitória ao Oscar de melhor atriz é algo totalmente inquestionável e Sophia provavelmente é a personagem mais completa de sua carreira. Mais que Kramer vs. Kramer, O diabo veste Prada, Dúvida, O franco-atirador, As pontes de Madison ou Um tiro no escuro (só pra citar alguns exemplos), aqui ela cria algo que mais que fenomenal. 
Ah, na minha lista pessoal de melhores vencedores do Oscar de melhor atriz, também incluo Meryl Streep por A escolha de Sofia. Não sei se a considero a melhor, mas está no meu topo junto a: Elizabeth Taylor por Quem tem medo de Virgina Woolf?, Charlize Theron por Monster, Marion Cotillard por Piaf – um hino ao amor e Jane Fonda por Klute

Nota: 7,5/ 10

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