Hollywood adora contos que levem às telas dos cinemas pedaços da história clássica ou moderna dos EUA. De todos os grandes eventos da história mundial e americana ocorridos no século XX, a grande depressão que se sucedeu à quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929 foi um dos mais importantes. Levou embora a prosperidade da terra dos sonhos do Tio Sam e instaurou por toda nação desespero e miséria até então não conhecidos em tamanha proporção. Milhares de famílias falidas, sem ter onde morar e muito menos o que comer espalharam-se por todo o país em busca de alguma oportunidade de sobrevivência, no sentido mais primitivo da palavra, sujeitando-se a qualquer coisa e trabalhando feito escravos para conseguir qualquer moeda de dez centavos.
Mesmo assim, durante este período, sobretudo na década de 30, o tema não era muito bem abordado pelo cinema. Nos anos 40, apesar do foco maior em termos de temática com fundo histórico e contemporâneo já ser a Segunda Guerra Mundial, foi realizado através da direção primorosa de John Ford o primeiro filme a tratar diretamente a problemática da crise econômica na década de 30. As vinhas da ira (The grapes of wrath, 1940), baseado em livro homônimo com caráter quase documental, retrata da forma mais fiel possível a longa jornada de uma família de pobres fazendeiros do Oklahoma que atravessa metade do país em busca de trabalho e melhor chance de vida na ensolarada terra das oportunidades ilusórias, até hoje conhecida como terra dos sonhos, que é a Califórnia.
O retrato é o mais cruel e real possível para a época. A família, liderada por um jovem e excelente Henry Fonda, são a personificação de todas as vítimas do período histórico do país. Afinal, eles não sofrem apenas pela questão monetária relacionada com a depressão, mas também pela profunda seca, a qual foi um evento climático devastador que arrasou culturas e plantações pela região central do país (as personagens vêm de uma região designada pelo título de “tigela de pó”) e pelo impacto doloroso da abrupta maquinização do campo e a chegada das grandes empresas e companhias à zona rural, o que expulsou milhares de famílias subjugadas aos interesses de grandes e espertos empresários de suas terras, as quais mantinham não apenas uma relação de propriedade, mas sim uma relação espiritual. Para aquela gente, aquele pedaço morto de terra seca representativa a identidade familiar com um grande valor humano associado. Naquela terra eles nasceram, viveram e deveriam morrer, mas ao invés disso tinham de assistir tudo o que foi construído ao longo de anos de trabalho árduo ser destruído por um trator em apenas cinco minutos. John Ford, que adorava trabalhar com o povo dos EUA, principalmente destas regiões centrais e mais isoladas, foca muito mais o sofrimento pela perda da terra do que pela pobreza extrema em si.
A viagem rumo à Califórnia, cujos principais combustíveis eram sonhos e panfletos amarelos com promessas enganosas de fartura e abundância, também é a mais realista possível. Nós sabemos desde o começo que as coisas não seriam fáceis de forma alguma quando chegassem lá, mas as personagens vão aos poucos tendo de lidar e aceitar o fato de que estão saindo de um lugar miserável para outro tão ruim quanto, talvez pior, num caminho através de um país esquecido e por acampamentos de desabrigados e migrantes abarrotados de pessoas sem qualquer perspectiva. Apesar de a jornada ter uma direção ascendente, todo mundo sabe que na vida real não é bem assim que as coisas funcionam. De todas as pessoas que tentam a sorte nesse tipo de situação apenas uma pequena fatia consegue prosperar de alguma forme. Ou, no mínimo, sobreviver.
Tecnicamente, As vinhas da ira (adoro esse título) é muito adequado a sua temática. Por ser um tema muito sério, o ar do filme deve acompanhar a sobriedade que a história pede. E assim o é. John Ford sempre teve um agrado especial por longas paisagens do mais puro nada, que apenas nos permite uma ambientação ao lugar, e aqui essas paisagens são acompanhadas de uma aridez incômoda que é associada ao estado de espírito daquele povo. Tão incômoda quanto os rostos sem esperança e os diálogos tão simples quanto emocionantes. Não uma emoção manipulativa, mas algo simples e genuíno, que são ditos pelas ricas e diversas personagens da trama, que além de Tom Joad interpretado por Henry Fonda, conta também com a presença de um ex-pastor tão degenerado quanto sábio e a mãe da família Joad (Jane Darwell, interpretação vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante) que é uma das minhas atuações preferidas (não no filme, no cinema mesmo).
Nota: 9/10
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