Charles (Joseph Gotten) é um sujeito charmoso que chega à cidade de Santa Rosa para passar uns tempos com sua irmã e a família dela, que tem verdadeira adoração por ele. O tratam como se ele fosse a pessoa mais legal, mais esperta e mais interessante do mundo. Emmy, irmã de Charles, o trata com quase que uma adoração, como se seu irmão mais novo fosse, de fato, perfeito. Já sabemos logo de cara que Charles não é essa simpatia toda. O filme se inicia com ele deitado numa cama de um quarto de hotel, com um monte de dinheiro espalhado e a essa seqüencia segue-se uma perseguição, em que dois homens mal encarados o perseguem por ruas esquisitas de um bairro estranho. Vendo essa situação atípica e duvidosa, já dá pra saber que o cara não presta.
Quem também parece gostar muito de Charles é sua sobrinha, filha de Emmy, Charlie (Teresa Wright). A relação de Charles com sua irmã é tão forte que ela deu o nome de sua filha em homenagem ao irmão. Charlie é uma moça inteligente e perspicaz que sente-se verdadeiramente atraída pelo tio, como se eles tivessem uma relação que vai além de um simples parentesco.
A partir daí a situação começa a complicar, em alguns momentos, Charles começa a ter algumas atitudes suspeitas. Primeiro, ele dá a Charlie uma jóia que já tem iniciais gravadas (estranho), depois resolve esconder folhas de jornal para impedir que a família leia alguma coisa que nele estava (muito estranho), mostra também certa agressividade em alguns momentos. Tudo começa a ficar mais confuso quando dois rapazes, supostamente repórteres resolvem fazer uma matéria sobre a família de Emmy, teoricamente uma típica família americana. Reportagem essa que foi recebida com profunda hostilidade por Charles (estranho).
Começamos então a ter cada vez mais certeza de que essa criatura realmente não presta. Ao mesmo tempo em que vamos desconfiando cada vez mais do titio, Charlie também começa a juntar peças de um quebra-cabeças. Os rapazes que se diziam repórteres são, na verdade, detetives, e estão ali para investigar um suspeito de ser um provável assassino de viúvas, que as seduz e depois as estrangula roubando todo seu dinheiro. O perfil do assassino condiz com Charles: sua vinda inesperada, quase como se estivesse fugindo de algo; sua profunda desconfiança por tudo e por todos; sua relutância a tirar fotografias; a jóia com iniciais gravadas e, o momento decisivo para a constatação de que ele realmente é o assassino, a matéria de jornal que ele tentava esconder era, justamente, sobre esse serial killer de viúvas.
O filme começa a melhorar cada vez mais, agora se centra mais ainda em Charlie e em um grande dilema: denunciar o tio ou fingir que nada daquilo está acontecendo? A prisão de Charles representaria uma bomba na família, Emmy com certeza não suportaria tal desgosto e é isso que realmente perturba a cabeça de Charlie. Para piorar tudo, Charles sabe que a sobrinha entende tudo que está acontecendo e que realmente conhece a verdade sobre o tio. A trama começa a ficar cada vez mais perigosa, principalmente para Charlie, que tem a missão de impedir que sua família seja destruída, mantendo uma relação que vai do medo à adoração por um tio violento e imprevisível.
Sombra de uma dúvida (Shadow of a doubt, 1943) foi considerado pelo próprio Hitchcock, numa entrevista do diretor com François Truffaut, como seu filme preferido. Roteiro muito bem estruturado. É um filme ágil, inteligente e muito bem realizado, como toda a filmografia de Hitchcock. Não posso concordar com relação a ser seu melhor trabalho, pois sou grande fã de Psicose e Um corpo que cai, mas dou os merecidos créditos a Sombra de uma dúvida. Mistura mistério, desconfianças, traição e doses de humor. Além disso, ver o duelo Charlie x Charles é muito interessante. Duas pessoas que num primeiro momento se dizem tão parecidas, mostram-se, ao longo do filme, verdadeiras antagonistas. E, como em toda boa briga, no final só haverá um vencedor.
por Lucas Moura