quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Sobre 2015, suas mazelas e seus poucos livros

Olá mundo, como vai?
Ou melhor: pessoas do mundo, como vão? Porque o mundo eu sei que não vai lá muito bem.
Vão levando? Sei como é. Há algum tempo a resposta que eu mais costumo dar é essa. Vou indo. Vou levando. Marrom - marromenos.
Enfim, não precisamos entrar em maiores detalhes, até porque o mundo não precisa e não quer saber do porquê de eu estar tão prolongadamente no modo marromenos. Eventualmente, se alguém quiser saber, deixa um comentário, manda uma mensagem, marca um café que a gente fala sobre. Mas vamos ao objetivo da vez que é falar sobre o ano que (graças a Deus) está acabando, essa criança marota chamada 2015.
2015 começou com um puto atentado à liberdade de expressão no coração da Cidade Luz que fez meio mundo de gente dizer que era Charlie. Aqui pelo Brasil o turbulento, emotivo e irracional período eleitoral do ano passado deu à luz uma crise política (que se analisarmos bem é só uma exacerbação e consequência dos últimos anos) que se somou à crise econômica, resultando numa impopularidade do governo que foi a maior desde a redemocratização, além de dar poder a uma podre ala do Congresso - que é o mais conservador desde a ditadura. Trabalhadores, negros, indígenas, LGBTs e mulheres foram o alvo das chamadas bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia, capitaneadas por canalhas da mesma estirpe do presidente da Casa.
Pois é, gente. 2015 foi tão nefasto na política que chegamos ao ponto de aplaudir Kátia Motosserra Abreu por jogar vinho na cara de José Serra. Também foi o ano em que ninguém menos que Luciana Gimenez defendeu a laicidade do Estado diante de Marco Feliciano (que puxou um Pai Nosso junto com a bancada da Bíblia no plenário da Câmara). Se não bastasse, o glorioso e tão criticado Tiririca, 5º na linha sucessória presidencial, lamentou em carta ser o único político ficha limpa da lista.
Depois da crise econômica, a crise política foi o assunto mais falado ao longo do ano. Crise política por ter um governo fraco, impopular e escravo da aglomeração de podridão chamada PMDB, a base aliada menos aliada de que se tem ouvido falar. Mas isso se trata, na verdade, de uma crise institucional. Crise política é o que vivemos desde sempre, perpetuando uma sociedade doente que despreza direitos humanos, culpabiliza as vítimas, pratica a barbárie cotidiana que é a falta de empatia e que idolatra aberrações políticas, éticas e cognitivas.
Sem mais reflexões revoltadas, vamos falar do blog. 2015 foi, de longe, o ano menos produtivo do Sagaranando. Caímos de mais de cem publicações em 2013 pra quarenta e poucas em 2014 e enfim, 20 nesse ano. Culpa da faculdade na maior parte do ano, culpa de minha preguiça no restante, já que desfrutei de bons cinco meses de férias (obrigado greve das federais). Não só o blog foi mal como eu mesmo deixei muito a desejar em termos de livros e filmes. Pela primeira vez em cinco anos não vi a cerimônia do Oscar, já que tinha visto apenas um filme da competição. Li a menor quantidade de livros em anos, tendo, inclusive, passado sete meses com um só (sobre os quais falarei mais tarde).
Antes de comentar sobre os escassos livros desse ano (mas em ordem de preferência pra relembrar os bons Top 5 do blog) eu queria dar um conselho que há algum tempo eu pratico. Não parem de ler. Nunca. Por mais ocupados e cansados que estejam, nunca deixem de praticar um dos mais saudáveis e construtivos hábitos. Que leiam cem ou cinco páginas num dia, que leiam todo dia ou três vezes na semana. Não deixem de ler. O mundo precisa de leitores, pessoas ávidas por histórias, emoção, drama e conflitos; gente que gosta de mergulhar nas palavras de alguém, na imaginação de alguém, e usar a própria para dar um toque pessoal à história que lhe apresenta. Em tempos difíceis como esses, é de fundamental importância lembrar quão essenciais são as artes para a manutenção da humanidade enquanto civilização, quer dizer, para que evitemos o colapso e a barbárie. Mais importante até que a medicina e as ciências médicas (que só existem como as conhecemos hoje há cerca de duzentos anos, enquanto as artes acompanham o homem desde sua Aurora), precisamos das artes para suavizar os problemas da vida e tornar mais simples o conflito constante que são as relações interpessoais. Conselho dado (e apelo feito), vamos aos cinco melhores (e únicos) livros que li em 2015:
5. Guerra e Paz (vol. 1) - Leon Tolstói
O principal livro que faz muitos considerarem Leon Tolstói o maior de todos os romancistas é um verdadeiro tesouro do povo russo e toda a humanidade por seu valor literário e histórico. Mas pelo menos nesse primeiro volume, ele não é exatamente um exemplo de texto fluido. Claro que é compreensível, já que nesse início é necessário apresentar as famílias Bezukov, Kuraguine, Bolkonski e Rostov, protagonistas e membros da aristocracia russa, tarefa não muito grata. O livro acompanha o Império Russo prestes a enfrentar o exército de Napoleão e o início da guerra, com clara vantagem francesa. Amor, ambição e coragem são os principais ingredientes dessa primeira parte, narrados muito bem por seu imortal autor.
Nota: 9,0/ 10
4. O Último Magnata - Francis Scott Fitzgerald
Depois de três anos juntando poeira na estante, o último romance de Fitzgerald foi lido. Mais experiente e maduro do que em O Grande Gatsby, Fitzgerald apresenta a impressionante e faminta indústria cinematográfica de Hollywood através da narração de Cecília Brady, filha de um grande produtor. Cecília relembra seus tempos na faculdade, quando se apaixonou por Monroe Stahr, sócio de seu pai e um dos maiores figurões da cidade, e com isso mostra um mundo extravagante que nos bastidores é competitivo e desgastante. Stahr é o retrato dessa Hollywood: workaholic, o sucesso de sua vida amorosa é justamente o contrário da profissional. Fechado e totalmente dedicado ao trabalho nos estúdios, ele vai encontrar numa desconhecida a chance de mudar sua vida e reencontrar o amor.
Importante: Fitzgerald morreu antes de concluir o romance, mas faltando bem pouco. O crítico e amigo Edmund Wilson 'finalizou' a obra, descrevendo como poderia ser o final segundo as anotações do autor. Infelizmente tal forma de conclusão quebra o clima do que poderia ser um fim incrível.
Nota: 9,0/ 10
3. As Ligações Perigosas - Chordelos de Laclos
Romance que abalou as estruturas da sociedade (e aristocracia) francesa no fim do século XVIII, chegando a ser banido do País décadas depois, As Ligações Perigosas foi inspiração de várias adaptações para o teatro e cinema, sendo a mais conhecida delas a estrelada por Glenn Close e John Malkovich em 1988. Apresentado através de cartas trocadas pelas personagens, o livro é centrado nas figuras do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, que ocupam a rica e tediosa vida na nobreza seduzindo pessoas inocentes para depois colocá-las em desgraça. Na trama, eles escolhem como alvo uma mulher casada, conhecida por sua rígida moral e religiosidade. Ao longo da tentativa de seduzir tal mulher e das consequências de tal ato, é feita um minucioso retrato da sociedade, principalmente da hipocrisia que cerca o poder.
Nota: 10
2. Do amor e outros demônios - Gabriel García Márquez
 Ao acompanhar as escavações em um antigo convento prestes a ser demolido, Gabriel García Márquez se depara com um pequeno cadáver que o faz lembrar de lendas contadas por sua avó sobre uma menina milagreira de enorme de cabelo. A partir de então é narrada uma história passada no período colonial da América Latina centrada na jovem Sierva Maria, filha de um marquês, totalmente negligenciada pelo pai apático e pela mãe sem caráter, que acaba sendo criada na senzala com os escravos, e aprende a língua e a cultura dos servos. Após ser mordida por um cão raivoso, Sierva Maria é apontada como possuída pelo demônio, disparate corroborado por seu comportamento rebelde e conhecimento de línguas africanas. A história da colonização americana é plano de fundo desse romance sobre amor, ódio e fé.
Nota: 10
1. Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
Um certo dia um homem está parado no sinal vermelho quando de repente perde a visão. Mas em vez de trevas, seus olhos estão ofuscados por uma forte e permanente luz branca. Ele procura um médico, que não percebe nenhuma alteração em seus olhos. A cegueira rapidamente se espalha para aqueles com quem o primeiro cego teve contato, e os doentes são levados para um sanatório desativado na tentativa de controlar a epidemia. Entre eles, há alguém que não perdeu a visão: a esposa do médico que examinou o primeiro cego. Ela esconde o fato dos companheiros para não se tornar escrava dos cegos, mas a dependência deles para com ela é maior a cada dia. O número de internos aumenta, e a epidemia parece não ter controle. É através dessa brilhante parábola que Saramago aborda o problema das pessoas não enxergarem umas as outras e não enxergarem bem a si próprias, além das reações do ser humano diante de necessidades, impotência e desamparo. A falta de moral, ética e desprezo pelos valores estabelecidos em sociedade são abordados à medida em que o sanatório vai enchendo e os internos vão perdendo a dignidade e o que anteriormente os caracterizava como humanidade e civilização. Uma leitura essencial para todos.
Nota: 10

Bom, that's all, folks! Nos vemos em 2016. Feliz ano novo pra todos, com muita saúde, felicidade, livros, filmes e muita música. Continuaremos a sagaranar (?) por aqui.

Luís F. Passos

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Filmes pro final de semana - 04/12

1. Blue Jasmine (2013)
Vencedor muito merecido do Oscar de melhor atriz para Cate Blanchett ano passado, Blue Jasmine é um trabalho consideravelmente genial de Woody Allen. À primeira vista, não me atentei muito ao filme em si porque Cate Blanchett chama tanta atenção que é difícil tirar os olhos dos trejeitos, da elegância, da instabilidade e das neuroses que ela cria ao dar vida à sua Jasmine, mas só precisei de 30 segundos para perceber que me deparava com mais um grande trabalho do diretor. O que Woody Allen faz aqui é, sabiamente, transportar o espírito deturpado da figura lendária do cinema e do teatro Blanche Dubois para a realidade atual do país, na esfera social rica e privilegiada dos milionários de NY e ainda adaptá-la a crise financeira mundial que se iniciou com especulação imobiliária há alguns anos atrás e usar isto como estopim para toda a crise psíquica de Jasmine. Assim como Blanche, quando na miséria, Jasmine, mais uma vez, depende da bondade de estranhos, recorre a sua irmã e até sofre com uma atração/repulsa pelo cunhado grosseiro. Assim como Blanche, Jasmine é a personificação da decadência, da negação e do desespero. Claro que Uma rua chamada pecado passeia por territórios muito mais sérios e complexos que Blue Jasmine, e as semelhanças entre os dois ficam por aqui mesmo, mas isso não nos impede de apreciar a forma como Woody Allen reverencia a genialidade de Tennessee Williams.
Nota: 9,0/ 10
2. Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, 2011)
25 anos depois de Hannah e suas irmãs, Woody Allen estabelece um novo campeão de bilheteria entre seus filmes. A história do escritor Gil Pender (Owen Wilson), que consegue viajar no tempo na capital francesa e aproveitar a efervescência cultural dos anos 20 encantou milhões de pessoas por todo o mundo. Ao lado de pintores vanguardistas e escritores que guiaram toda a literatura do século, Gil vai descobrir que mais vale viver o presente e tentar ser feliz independente do tempo ou do espaço. Woody passa essa lição ao longo de 1h30 em belos cenários, fazendo a cidade luz e seu espírito serem os protagonistas do longa.
Nota: 9,0/ 10
3. Match Point (2005)
Depois de quase dez anos sem empolgar muito seu público, o grande diretor volta com tudo dirigindo uma trama tensa e sexy (não há palavra melhor para descrever o filme) que se passa em Londres, em meio à aristocracia britânica. Chris Wilton (Jonathan R. Meyers) é um ex-jogador de tênis que passa a dar aulas em um clube de alto padrão, e logo conquista a amizade de um de seus alunos, Tom Hewitt (Matthew Goode), que o leva para conhecer sua família. A irmã de Tom, Chloe, se encanta pelo professor, mas foi a noiva dele que chamou a atenção de Chris. Nola Rice (Scarlett Johanson) é uma aspirante a atriz com atributos físicos de deixar qualquer um doido. Mesmo começando a namorar Chloe e consequentemente sendo cunhado de Tom, Chris se aproxima de Nora e os dois começam um caso. A tensão sexual que existe entre o casal de protagonistas é impressionante e alimenta o clima de suspense que tomará conta do filme no final; não um suspense a la Hitchcock, mas uma questão mais profunda ao estilo de Crime e castigo.
Nota: 8,5/ 10
4. Desconstruindo Harry (Desconstricting Harry, 1997)
Woody Allen tem uma vasta obra, repleta de filmes excelentes e bem conhecidos como Annie Hall, Manhattan e Hannah e suas irmãs, e também outros não tão bons e conhecidos, mas também ótimos filmes meio desconhecidos - é o caso de Desconstruindo Harry. Seguindo um pouco o estilo de Bergman e Fellini, Woody vive Harry, escritor que passa por uma crise criativa, e nessa época é homenageado pela universidade em que estudou e foi expulso. Sem ter ninguém para acompanhá-lo, Harry leva consigo um amigo doente, uma prostituta e o filho que teve com uma de suas ex-esposas. Ao longo do filme vemos como Harry levou para sua obra pequenos problemas e episódios de sua vida, inclusive transformando amigos e parentes em personagens problemáticas, o que causou o afastamento de muitos deles.  Engraçado do começo ao fim, conta ainda com a participação de Billy Cristal, Mariel Hemingway, Tobey Maguire, entre outros.
Nota:  9/ 10
5. Annie Hall (1977)
Diane Keaton é Annie, descontraída, sem rumos traçados pra sua vida, vive fazendo bicos como fotógrafa e cantora em bares, que conhece o comediante Alvy Singer (Woody Allen), um nova-iorquino judeu neurótico, metódico, meio hipocondríaco e chato, apesar de carismático. Os dois se apaixonam e engatam um namoro que logo no início do filme sabemos que não dá certo. Woody Allen conta a história do casal de forma inovadora, alternando momentos do início da relação com momentos de crise ou do cotidiano deles enquanto viviam juntos - fora muitas outras inovações que deram novo fôlego ao gênero da comédia romântica e o Oscar de direção para Woody. É quase uma unanimidade de que este é o melhor filme do diretor, que aqui traçou o esboço de muitos de seus filmes subsequentes, e diferente dos anteriores que eram mais próximos à comédia pastelão; e não é difícil ver que Annie Hall supera até mesmo outros grandes filmes como Manhattan e Hannah e suas irmãs. A naturalidade com que tudo é passado ao espectador e o tema do longa - afinal, Annie é antes de tudo um filme sobre o amor - fazem dele uma fonte inesgotável de satisfação, tornando impossível querer ver uma só vez.
Nota: 10

Bônus:
 6. Woody Allen: Um documentário (Woody Allen: a documentary, 2012)

Woody é um cara tão simples, tão contrário a certas frescuras, que até o título do documentário sobre sua vida e obra faz o estilo "menos é mais". Com a participação do próprio Woody, parentes, amigos e colaboradores de décadas de carreira, o filme resgata a infância no Brooklyn, passa pelo trabalho como escritor e humorista, até chegar à carreira no cinema nos anos 60. Foco para a evolução do trabalho, inicialmente mais voltado para o humor, nos filmes de comédia pastelão, até que em 1977 vem Annie Hall, sua maior obra, trazendo um lado mais romântico e profundo e dando início a uma sucessão de trabalhos tendo como personagem central o alter ego do cineasta, o judeu novaiorquino paranoico, tão presente em sua obra - seja interpretado pelo próprio Woody ou por outros artistas. Destaque para a participação de várias musas do diretor, em especial Diane Keaton, que é sua melhor amiga, e também para a sua polêmica vida pessoal, sendo ressaltada a conturbada história com Mia Farrow.
Nota: 9,0/ 10

Luís F. Passos e Lucas Moura