quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Persona - quando as máscaras caem

Após uma crise surpreendente em que se tornou muda, de uma hora para outra, durante um espetáculo, a atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann) passa a ser cuidada pela dedicada enfermeira Alma (Bibi Andersson), cuja função é tratá-la da melhor forma possível e tentar retirar algumas palavras de sua boca. Segundo a equipe médica que cuidou de Elisabet, sua mudez não tem fins patológicos em termos fisiológicos e sim uma fundamentação psíquica e opcional. Ela optou por se tornar muda. A forma que ela encontrou para tentar se encontrar como pessoa, fugindo de responsabilidades e obrigações sociais foi permanecer-se calada permanentemente.
Passando um período inicial no hospital e vendo que não houve nenhum tipo de melhora, Elisabet e Alma vão passar um tempo numa casa de praia, afastada de tudo e de todos. Nesse período, apenas Alma fala enquanto Elisabet fica o tempo todo escutando o que ela tem a dizer. Alma aparenta ser uma mulher muito mais forte que Elisabet, uma enfermeira dedicada, que tinha sido boa aluna na época da faculdade, uma boa esposa cheia de planos familiares que fala sozinha com um tom de segurança (ou não?) na voz. Mas quanto mais as duas mulheres “conversam”, mais os papéis vão se invertendo. Aos poucos as narrativas patéticas de Alma vão se tornando mais sérias e se transformando em verdadeiras confissões, em que ela fala sobre experiências sexuais envolvendo uma amiga e dois rapazes desconhecidos e o aborto de um filho indesejado. Confissões de suas dúvidas, de seus desejos, de seus pecados e de seus arrependimentos. Na presença silenciosa de Elisabet, Alma se abre totalmente ao permitir que a máscara a qual é forçada a colocar todos os dias para poder se expor ao mundo caia e que seu verdadeiro “eu”, até então escondido, seja revelado da forma mais forte possível.
Desse modo, Alma vai se tornando uma mulher diferente e vai entrando em uma espécie de simbiose com Elisabet. Em alguns momentos, não sabemos qual mulher está na tela: seria Alma? Seria Elisabet? Ou seria apenas um delírio? Pouco importa a resposta, o que importa é a idéia central, que é justamente dessa fusão de identidades.
Tão importante quanto a cena da confissão, em que todo esse processo efetivamente se inicia, é a cena em que Alma e Elisabet se confrontam. As duas sentadas numa mesa, uma de frente para a outra, e vestindo roupas praticamente iguais. Nesse momento, Elisabet segura uma foto de seu filho rejeitado (rasgada por ela) enquanto é confrontada diretamente por Alma, que diz várias coisas sobre a vida dela. Sobre como ela se comporta perante as pessoas, sobre sua futilidade, os motivos que a levaram a querer ter um filho, a sua incapacidade de ter um amor recíproco por essa criança e, aos poucos, a narrativa vai ficando cada vez mais confusa. Perde-se o limite em que estamos ouvindo sobre acontecimentos ocorridos a Elisabet ou medos secretos de Alma. As palavras da enfermeira começam a ficar mais confusas até que só lhe resta falar, em tom de negação, “Não sou Elisabet Vogler!”. Ao mesmo tempo, os dois rostos, unem-se em um só num toque de mestre de direção e fotografia. Metade da face é de Alma e a outra metade é de Elisabet, mas o rosto parece ser um só. As duas são uma só. Ao tentar negar ser Elisabet Vogler, Alma está, na verdade, buscando negar sua própria identidade escondida. Ela pode até não ser Elisabet, mas é ela que a fez se confrontar consigo mesmo e é através dela que seu “eu” se revelou.
Por fim, cabe a Alma decidir se continua nessa viagem pelo seu “eu” oculto ou volta a assumir sua antiga persona de perfeição. Nesse momento, ela veste suas antigas roupas de enfermeira e, no que parece ser um delírio, força Elisabet a dizer apenas uma palavra: “nada”. É mesmo Elisabet que diz isso? Ou seria a mente de Alma? De qualquer forma, a enfermeira decide por pegar um ônibus e se afastar da casa de praia, de Elisabet e de seu “eu” interior (acho que a pergunta acima está respondida).

Obs1: tanto ao início quanto ao fim do filme, vemos a imagem de um menino em algo que parece um necrotério, ou coisa do tipo, e este menino parece assistir ao filme, vendo imagens das duas mulheres, podendo senti-las sem poder, no entanto, aproximar-se. Quem seria esse? O filho rejeitado de Elisabet? O filho abortado de Alma? Algo sem relação? Sem respostas.
Obs2: as atrizes Liv Ullmann e Bibi Andersson trazem uma semelhança física incrível. Na cena da fusão de rostos, a semelhança é tão grande que realmente parece uma pessoa só. Chega a ser assustador.
Obs3: alguns críticos traduzem o quase incompreensível prólogo de Persona (1966) como um jeito que o diretor, Ingmar Bergman, achou para mostrar que esse trabalho é uma destruição e reconstrução de sua forma de fazer filmes, como se preparando sua carreira para algo novo. O diretor, por sua vez, o descreve como um poema visual.
Obs4: o título nacional, Quando duas mulheres pecam, é ridículo e remete a um conteúdo sexual que o filme não parece ter e, mesmo que tenha, é secundário.

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Lucas Moura

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