terça-feira, 31 de outubro de 2017

Rock’n roll – o tragicômico processo de envelhecer


Tenho certeza absoluta que Rock’n roll (2017) é tudo que não se espera do tradicional estilo cinematográfico francês. Sendo assim, é uma grata surpresa ver frescor numa indústria acostumada a seus moldes. E esse frescor vem em forma de uma comédia satírica e, em sua grande parte, completamente bizarra, mas sem deixar nunca de transmitir sua mensagem: como é difícil envelhecer.
Guillaume Cannet encarna um tipo de persona vivendo o próprio ator Guillaume Cannet no meio de uma forte e irreversível crise de meia idade quando, aos 43 anos, é forçado a perceber o quanto sua vida estava “sem graça”. Mais de 40 anos, cabelos brancos inesejados, corpo fora dos padrões, hobbies entediantes e vivendo uma vida previsível de casado com compromissos conjugais e a necessidade de cuidar do filho. A vida é um tédio e envelhecer é um processo não apenas chato como também inadmissível. Como aceitar que os anos de glória passaram tão rápido e que Guillaume saiu do frescor da juventude e da ampla diversidade de papéis para atores jovens e se tornou um homem sem graça e pouco atraente? Um homem que não captura – e que, de certa forma, nunca capturou – o espírito e a atitude livre e descolada do rock? Somado a tudo isso, ainda há a presença inevitável da esposa, Marion Cotillard (vivida por Marion Cotillard), uma atriz séria que não deixa de ser requisitada para seus trabalhos competentes e dignos de premiação.
Rock’n roll é um filme divertidíssimo, mas sua mensagem é bastante pertinente em nossa sociedade, especialmente no meio artístico e na indústria cinematográfica, acostumada a usar e abusar de um artista ao máximo enquanto este está no seu “auge” e, quando não lhe é mais conveniente, descartá-lo ou colocá-lo em papéis e opções de trabalho limitadas que o estereotipam como um tipo de personagem tendo como base apenas a sua idade. O limiar entre ser a namorada e ser a mãe do protagonista, por exemplo, é bastante tênue, sendo necessários apenas alguns aninhos. Apesar de ser um processo mais cruel entre as atrizes, Rock’n roll mostra que este é um problema enraizado na indústria para ambos os gêneros e que leva pessoas talentosas a se subjugarem a medidas drásticas numa tentativa patética de retomar uma glória que jamais terão de volta. O filme também critica de maneira satisfatória o culto à juventude de um modo geral. Um aspecto muito positivo do filme é que a transformação física e psicológica que Guillaume inicia – a qual seus amigos, colegas de trabalho e esposa apenas conseguem assistir atônitos enquanto o vêem se ridicularizar – é a mais completa possível e de uma bizarrice embaraçosa. Apesar de ter um tom extremamente cômico, é impossível não perceber o quão triste e deprimente é tudo aquilo e o quão fragilizado psicologicamente Guillaume está para se colocar desta maneira, abdicando de tudo em sua vida em nome de um ideal inalcançável. É uma luta constante de uma guerra perdida em busca de ser jovem para sempre e os resultados são humilhantes.  Para reforçar ainda mais sua idéia central, Rock’n roll ainda reserva uma reviravolta deliciosa no final, que aumenta em muitos pontos um inesperado lado romântico do filme.
Guillaume Cannet e Marion Cotillard estão sensacionais em seus papéis, fazendo piada com eles mesmos o tempo todo. Para ser melhor, Rock’n roll só precisava ser mais curto, visto que em diversos momentos do terço final o filme se arrasta de maneira desnecessária. Não é algo que atrapalha muito, mas quebra o ritmo e adiciona algumas situações que não são essenciais para o entendimento geral da trama, que nem trazem momentos muito marcantes em si e são bastante caricatas num sentido já meio forçado. Fora isso, Rock’n roll é divertido, ousado, incansável em sua maneia de não se levar tão a sério e muito recomendável para uma boa sessão de cinema.
PS: é fato que Guillaume Cannet é a alma do filme, mas queria frisar que Marion Cotillard segue incansável na sua função de ser sempre ótima. Impressionante.

Nota: 8/10

Leia também: