sexta-feira, 30 de junho de 2017

Filmes pro final de semana - 30/06

1. Aquarius (2016)
Um dos filmes mais falados no ano passado em terras tupiniquins, Aquarius merece ser incessantemente comentado e aplaudido mais ainda. O longa traz Clara (Sonia Braga, rainha da p* toda), uma jornalista aposentada que mora em um velho prédio na praia de Boa Viagem, no Recife, resistindo à pressão de vender seu apartamento para que seja construído um edifício de luxo no lugar. Todos os moradores já haviam vendido suas casas, exceto Clara. Ao longo do filme ela demonstra uma força incrível para defender o lugar em que passou boa parte de sua vida e criou os filhos, lutando conta a construtora, os vizinhos - e a empresa nada mais é do que a representação da opressão que parte dos mais ricos, tão forte em nossa sociedade. Através de um grande elenco liderado por Sonia Braga, um filme excelente sobre a mulher, o passado e o Brasil.
Nota: 10
2. Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2016)
O mais recente filme de Quentin Tarantino segue o anterior, Django Livre, ao abordar superficialmente a questão racial nos Estados Unidos do século XIX. Repito: superficialmente. Que ninguém espere que Tarantino faça as vezes de Steve McQueen, diretor de 12 anos de escravidão e exponha o absurdo da escravidão e segregação racial, mas já que um dos protagonistas é um caçador de recompensas negro no pós Guerra de Secessão, é inevitável a abordagem do tema. Muito resumidamente, Os oito odiados acompanha o encontro do caçador de recompensas Marquis Warren (Samuel L. Jackson) com o também caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russel), que está transportando a prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), e o xerife Chris Mannix (Walton Goggins). Surpreendidos por uma forte nevasca, eles se juntam a quatro desconhecidos numa pousada no meio do nada, em que a tensão cresce a cada minuto enquanto os segredos desses oito estranhos são revelados. Tarantino aqui deixa de lado a intenção de fazer roteiros mais bem elaborados, como em seus dois excelentes filmes anteriores, e simplesmente faz um espetáculo de balas.
Nota: 8,0/ 10
3. Anna Karenina (2012)
Baseado na obra imortal de Leon Tolstoi, o longa traz a queridíssima Keira Knightley no papel da protagonista que dá nome à obra. Anna é uma bela jovem casada com um importante ministro do Império Russo, Alexei Karenin (Jude Law). Considera-se feliz em seu casamento, tem um filho, e faz parte da refinada alta sociedade de São Petersburgo. As coisas começam a mudar quando ela viaja para a casa de uma cunhada e conhece o charmoso conde Vronsky (Aaron Johnson), que se apaixona por ela e passa a cortejá-la. Inicialmente Anna o repele, apesar da atração que sente, mas o sentimento a vence, e ela deseja separar-se do marido para ficar com o conde. A recusa do ministro é o ponto de partida para o adultério de Anna e o aprofundamento de um drama que fala sobre surgimento de amor inesperado e sobre a crueldade das convenções sociais. Boa adaptação, e um show de imagens - figurino e fotografia impecáveis.
Nota: 8,5/ 10
4. Simplesmente complicado (It's complicated, 2009)
Meryl Streep, dona e proprietária da empresa Cinema, é especialista em participar de filmes bem marrom - marromenos - e dar um destaque especial a eles com seu talento (e sua simples presença, convenhamos). Nesta comédia romântica de 2009, Meryl vive a carismática Jane, dona de uma padaria muito bem sucedida, mãe de três filhos e divorciada. Seu ex-marido, Jake (Alec Baldwin), é um advogado de sucesso que após o divórcio se casou com uma mulher bem mais jovem. Os dois têm uma relação agradável e de respeito, mas depois de um encontro em Nova York, a insatisfação de Jake com seu casamento atual e todo o clima criado em um encontro faz antigos sentimentos surgirem e os ex iniciam um caso,escondidos de todos. Pra complicar, o arquiteto que vai coordenar a reforma da casa de Jane, Adam (Steve Martin), que saiu recentemente de um divórcio traumático, se apaixona por ela e também surge algo entre os dois. Entre encontros e desencontros, uma hilária comédia romântica.
Nota: 8,5/ 10
5. À beira do caminho (2012)
Tá certo que ver Roberto Carlos em especial de Natal todo ano enjoa e que ele já teve dias melhores, mas não dá pra negar que ele tem muita música boa. Imagine então um filme que pega meia dúzia das melhores canções do cara para formar sua trilha sonora. É o caso de À beira do caminho, do diretor Breno Silveira (2 filhos de Francisco), em que o caminhoneiro João (João Miguel) é um homem solitário e amargo que vive em conflito com seu passado. A vida de João começa a mudar quando ele descobre um pequeno garoto no baú de seu caminhão. O menino é um tagarela incessável que tenta aos poucos derreter o gelo do coração de João, que depois de certa relutância decide levar o pequeno até São Paulo, onde ele espera encontrar o pai - a questão da paternidade é recorrente na filmografia do diretor. A boa história, somada às ótimas atuações e às ótimas músicas de Roberto Carlos fazem deste emocionante filme uma boa pedida pra qualquer idade.
Nota: 8,5/ 10

Luís F. Passos

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Corra! – novas abordagens, antigos problemas



Em meio a tanta agitação política e social no mundo, a década de 2010 tem sido marcada pelo crescente aumento da difusão de ideias liberais e maior abertura do diálogo e denúncias relativas a pontos críticos de nossa sociedade, como as questões sociais, o papel da mulher e a diversidade sexual. As artes, em sua obrigação de refletirem a sociedade na qual estão inseridas, não podem ficar de fora de tal movimento. Sendo a sétima arte uma das formas mais queridas de arte em nossa sociedade, sua participação é de vital importância neste processo, especialmente em temos onde a televisão, vivendo uma nova era de ouro, esbanja diversidade e riqueza de personagens em séries que passeiam pelos mais diversos estilos com excelência. A questão racial é um dos pontos que tem ganhado cada vez mais visibilidade no cinema. Do início da década para cá, consigo lembrar facilmente de filmes marcantes sobre o tema como Histórias cruzadas, Fruitvale Station, Selma, Moonlight, entre outros. É um tema que desde o princípio – desde os anos 60 com filmes como Adivinhe quem vem para o jantar? – vem sendo sempre retratado em dois gêneros: drama e comédia (num sentido de sátira e crítica social). Eis que, em meio a tempos de inovações e experimentações, surge um audacioso diretor disposto a abordar o racismo através de um gênero bastante complicado, banalizado e raramente levado a sério: o horror. E o resultado? Genial.
Corra! (Get out, 2017) vem sido aclamado por onde passa desde sua estreia no Festival de Sundance (um poço de maravilhas) e retrata o racismo de uma maneira que, eu tenho certeza, ninguém jamais tinha abordado. Em linhas gerais, Corra! retrata a história de um fotógrafo chamado Chris (performance sensacional de Daniel Kaluuya, protagonista do episódio 15 million merits da série Black Mirror) que vai visitar os pais de sua namorada, Rose (Allisson Williams). A questão é que Chris é negro e sua namorada branca. É o primeiro namorado negro dela e sua família não sabe que ele é negro. O que é algo que realmente não deveria importar acaba importando muitas vezes, mas em teoria não vai ser nenhum problema já que Rose faz questão de frisar sobre como sua família é amorosa e como respeitam a diferença e como são eleitores de Obama, etc. Mesmo assim, o clima de desconfiança já está implantado – imagino que seja difícil ser negro numa sociedade tão racista e não se sentir constantemente num nível basal de tensão.
Chegando à casa dos pais de Allisson, num local isolado onde as únicas pessoas negras são as pessoas que trabalham para a família de Rose, tudo realmente parece que está caminhando bem. No entanto, por baixo da postura de acolhimento, que muitas vezes soa um pouco forçada, existem interesses bastante sombrios que vão se revelando numa trama surpreendente e de clímax final intenso.
Não posso falar muito do roteiro, pois este é um daqueles filmes que não dá para dar muitas informações se não estraga as diversas surpresas que vão acontecendo, mas dá para falar das coisas que me agradaram bastante. Um primeiro ponto que eu achei genial com relação à Corra! é a maneira como o filme mostra Chris sempre numa posição de legítimo desconforto. Estando cercado por pessoas brancas que agem o tempo todo como se nunca tivessem convivido ou dialogado com uma pessoa negra, tratando-o com um ar de admiração, curiosidade e algumas vezes até ultrapassando limites de respeito, o clima de parte do filme não é de horror, mas sim de desconforto e constrangimento. O espectador consegue sentir na pele a sensação de ser diferente e de estar exposto. Isto por si só já vale a sessão. Ainda no início também temos uma metáfora entre Chris e um veado, assumindo uma posição de caça ou de animal abatido, que é bem interessante. No mais, o filme se desenrola de uma maneira tal que a temática da metade final já retrata questões mais relativas à apropriação física e psicológica – o filme traz isso da maneira mais literal possível – que acontece entre raças distintas quando uma tem supremacia sobre outra. Acontece a tomada de atributos desejáveis em negros por uma população branca, rica e inescrupulosa mais interessada em tratá-los como objetos e experimentos que como percebê-los como indivíduos.
No mais, Corra! traz personagens interessantes como os empregados da casa, ambos de certa forma fundamentais com seu comportamento bizarro e mecânico que guarda segredos perturbadores e a mãe de Rose, uma psiquiatra vivida por Catherine Keener, que trabalha com hipnose e cujos procedimentos rendem as cenas mais claustrofóbicas do longa. Outro ponto alto da trama é a presença do melhor amigo de Chris, Rod (LilRel Howery) que traz um alívio cômico perfeito, porque, sim, Corra! não se satisfaz em ser um filme de horror, contendo também muitos elementos de comédia. E, de certa forma, ficção científica ainda no meio.
Existem algumas coisas no filme que não me agradaram tanto, como alguns daqueles momentos de susto pré-fabricado de filmes de horror/terror como pessoas passando pelo corredor do nada ao som de uma música estridente ou fazendo coisas estranhas e que, a meu ver, não adicionam nada ao enredo e só estão presentes para tentar aumentar a abrangência do público e tornar o longa mais palatável trazendo algo que as pessoas estão acostumadas e, de certa forma, estão esperando que venha de um filme do gênero, mas estes são pontos fáceis de relevar quando se percebe o tamanho da criatividade investida numa produção que mistura satisfatoriamente tantos diferentes elementos cinematográficos com harmonia, trazendo um ponto de vista novo e dando importante contribuição para o diálogo a cerca do racismo nos dias atuais. É um filme muito interessante e muito inteligente, feito na medida para quem é fã de coisas inovadoras e que fujam do lugar comum.
Nota: 10
 
Lucas Moura