sábado, 27 de outubro de 2012

Senhora - Perfil de Mulher

Um dos mais memoráveis escritores românticos, José de Alencar deixou para as futuras gerações seu extenso legado com mais de 20 romances, algumas peças teatrais, entre outras publicações de certa importância. Seu prestígio esteve sempre ligado a sua habilidade comunicativa; a sua maneira de sensibilizar seus leitores impressionava, entretanto seu potencial sensitivo – de atender às expectativas do público e ainda expressar-se admiravelmente, não aparentando ser o manipulador do universo ao qual escrevia, mas, sim, um mero narrador da lógica social – transformou Alencar em autoridade do Romantismo brasileiro.
Abraçando o nacionalismo, o escritor não somente eternizou personagens até então marginalizados em seus romances regionais (exemplo O Gaúcho e O Sertanejo), indianistas (aqueles idealizando os indígenas das nossas terras como Ubirajara e Iracema), históricos (considerando o também indianista O Guarani) e, por fim, as mais célebres de suas obras impressas: os romances urbanos.
Alencar não encontrava dificuldade em palestrar com seu público mais ávido. Nessa troca de correspondências via colunas jornalísticas, ele conseguia visualizar a demanda de seus leitores e suas expectativas e uma chance de justificar algum comportamento de seu personagem reprovado pela crítica popular. Entre as obras que causaram tamanho alvoroço destacam-se três, agrupadas elas formam Os Perfis de Mulher (Lucíola, Diva e Senhora). A recepção desses livros e suas protagonistas não foi espontânea, todavia a proposta do autor era mesmo abalar a sociedade ao refleti-la em seus escritos.
Senhora (1875), um dos seus últimos trabalhos como romancista, ocupa uma posição especial entre os romances brasileiros. Objeto de estudo inesgotável ainda na atualidade, o livro sintetiza o melhor de José de Alencar como escritor, romântico e crítico social. A forte aproximação surgida entre as leitoras do seu tempo e Aurélia Camargo, a protagonista, vinha da simpática trajetória da pobre moça aos ricos bailes do Rio de Janeiro. Assim, como outras figuras femininas, a Senhora emplacou um enorme sucesso.
Embora o foco principal da narrativa seja voltado a audaciosa Aurélia, temos no seu par amoroso, nomeado de Fernando Seixas, um perfil masculino digno de análise cautelosa. Não é a primeira vez que um bonvivant sofre uma transformação de caráter na obra alencariana, no entanto é em Senhora que a metamorfose do homem real ao homem ideal faz-se deveras evidente.
Fernando não foge às regras da sua época. Há descrições minuciosas sobre o apego demonstrado pelo moço às suas vestimentas e cigarros, todos de marca por mais que não fosse um padrão de vida que ele pudesse sustentar. Ele demonstra-se um usurpador, então. Sua família, formada pela mãe e duas irmãs, acaba investindo todo o renumerado de seus trabalhos e heranças no único filho homem, enquanto este se sente envergonhado pela simplicidade deles perante seu círculo social. Dentro de si, o jovem jornalista planejava uma ascensão por conveniência de suas relações públicas, assim justificaria todo o investimento que sua família depositara em sua roupagem melhorando o padrão de vida de todos.
A busca pela escalada social mostra-se brutal quando vamos notando o interesse financeiro sobrepondo o interesse amoroso. O rapaz aceita qualquer proposta de casamento que possa vir a beneficiá-lo a curto prazo e em espécie. Imagina o dote enquanto faz a corte de Adelaide, mas logo após declina o acordo para aceitar uma oferta maior feito às cegas. Qual não é a surpresa do nosso vaidoso herói ao descobrir que foi comprado pela pobre moça que abandonara justamente pela condição monetária dela?
Determinado a pagar de volta Aurélia a fim de reaver sua liberdade, Fernando se devota no seu trabalho. A mudança é profunda e ao mesmo tempo externa: o autor exalta a simplicidade e a repetição das novas – e poucas! – roupas do protagonista, assim como seus charutos mais baratos, sua rotina mais longa e eficiente no ofício, a raridade com a qual passou a comparecer nos bailes e teatros, etc.
A reinvenção de seu orgulho passa a ser minuciosa, todavia o agravante da situação de vendido, reconhecida apenas pelos mais próximos (lembrando que pouquíssimas pessoas sabiam do arranjo daquele casório e ninguém desconfiava da infelicidade do casal), o leva a afastar-se com vergonha de sua família. Em sua trajetória de maturidade, Seixas começa a virar o homem que Aurélia sonhava, apesar disso ela suprime o sentimento fazendo seu marido desconhecer a paixão ressurgida.
Ao completar os cem contos necessários para extinguir a negociação e voltar a ser um “homem livre”, independente da esposa, sua fortuna e maus-tratos (cada vez menos frequentes), Seixas alcança finalmente uma posição respeitosa, digna de um homem idealizado.

Leia também: O Guarani
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Esse resumo é uma união de recortes do artigo “A Transformação do Homem Diante da Senhora de Alencar” da autoria de Guilherme Oliveira Patterson.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Uma manhã gloriosa - a comédia vai aos noticiários da manhã

Becky (Rachel McAdams) é uma jovem promissora que trabalha em programas matutinos e que acaba de ser demitida do seu emprego justamente no momento em que esperava por uma promoção.
Desempregada, ela começa a enviar seu currículo para todos os jornais possíveis, obtendo resposta, apenas da equipe de produção do programa de pior audiência da manhã: o Daybreak. O Daybreak é um programa de mais de 40 anos, tendo certa tradição no horário, mas que simplesmente não funciona. Não funciona pela total desorganização da equipe, pela falta de interesse destes, pela antipatia de um de seus apresentadores (interpretado por Ty Burrel, o Phill da série Modern Family) e pela grande audiência de outro programa similar de outra emissora, o Today, que há muito domina a audiência do período e que é o emprego dos sonhos de Becky.
Movida pela necessidade e pelo desejo de crescer profissionalmente, a moça decide assumir o desafio de pôr ordem à Daybreak, passando por diversas provações. A primeira delas é demitir o antigo âncora e conseguir outro que chame mais público. É aí que ela consegue que Mike Pomeroy (Harrison Ford), um jornalista histórico que cobriu eventos importantíssimos no século XX e que agora se encontra desempregado, ocupe a vaga de âncora do Daybreak. Por mais que não esteja em seus melhores dias, Pomeroy é absurdamente arrogante, egocêntrico e pretensioso, e julga tudo e todos no Daybreak como uma bobagem gigante, negando-se a participar efetivamente do programa e a ajudar a dedicada Becky. A outra âncora do programa, Collen Peck (Diane Keaton), não fica muito atrás da antipatia de Pomeroy. Apesar de se propor a fazer várias atividades, das mais sérias às mais ridículas (é até divertido ver Diane Keaton cantando rap e dançando balé com a maior cara de apresentadora da RedeTV), Collen é igualmente egocêntrica e incrivelmente superficial, tornando-se alguém muito difícil com quem trabalhar. 
Além de ter de lidar com essas duas peças, Becky vai ter que fazer de tudo para impedir que o Daybreak saia do ar, pois os níveis de audiência estão baixando cada vez mais. Para isso, ela precisa inovar o programa. É aí que surge o problema de Uma manhã gloriosa (Morning glory, 2011). A solução obtida por Becky para tentar driblar os problemas de audiência é transformar um programa tolo em uma bobagem sem limites. Ela se mostra, então, uma profissional extremamente sensacionalista. Por mais que programas de TV desse horário sejam repletos de futilidades, o Daybreak peca pelo excesso delas. Além de ser sensacionalista, Becky passa a ser admirada e respeitada por seus colegas de trabalho justamente por essa característica que, teoricamente, deveria ser um defeito. Por mais que ela sempre tenha tido a intenção de fazer algo para divertir as pessoas, há uma perda de qualquer comprometimento com uma forma mais séria de jornalismo, a qual ela parecia querer aliar, em parte, à banalidade do noticiário. O pior é que tudo isso não soa num tom irônico, como se fosse uma crítica ao que acontece na mídia televisiva, e sim como uma valorização da superficialidade televisiva.
Somado a esse problema, ainda tentam forçar um romance, envolvendo Becky e outro funcionário da emissora (Patrick Wilson, desperdiçado) que é relativamente desnecessário, e também um drama com Pomeroy que não dá muito certo.
Uma manhã gloriosa não é um filme ruim propriamente dito. Tem esses defeitos que falei acima, mas mesmo assim é capaz de agradar e distrair. De fato, a primeira metade do filme é mais interessante, com piadas inteligentes e bem colocadas e o roteiro é bacana. Não é um filme que te faça querer desligar a televisão, sair do cinema ou querer dormir, mas também não é nenhuma maravilha. É bonzinho.
O que ele tem de mais interessante é mesmo seu elenco. Apesar de ter algumas falhas na metade final, as personagens são boas. Os atores principais, Diane Keaton, Harrison Ford e Rachel McAdams, interpretam papéis diferentes do que já haviam apresentado anteriormente e brincam de construir estereótipos. Keaton e Ford são agradavelmente insuportáveis e constroem uma relação de amor e ódio que gera momentos impagáveis, mas é a jovem Rachel McAdams quem domina o filme do começo ao fim.

Lucas Moura

sábado, 20 de outubro de 2012

Eu sou o mensageiro

São tempos difíceis para Ed Kennedy. Com apenas dezenove anos o cara já se considera um fracassado. Sem estudo, acabou sendo taxista. Sem o amor da mãe e com a morte do pai, acabou morando sozinho com um cachorro velho, fedorento e viciado em café chamado Porteiro. Sem nada melhor para fazer, passa boa parte das noites jogando cartas com seus amigos igualmente fracassados. Sem ter namorada, fica babando por sua melhor amiga Audrey.
Bem, Ed é um coitado, só mais um entre muitos. Até o dia em que ajuda a impedir um assalto a banco e se torna herói, ganhando seus quinze minutos de fama. Parecia que logo depois tudo voltaria ao normal, mas Ed passa a receber cartas de baralho que continham endereços. No primeiro, ele descobre um marido violento que bate em sua mulher e sua filha. No segundo, uma senhora solitária que aguarda eternamente por seu marido falecido na guerra. Aos poucos Ed percebe que o objetivo das cartas - e de quem as envia - é fazer com que o taxista faça algo para mudar a realidade dos moradores dos endereços; a princípio ele fica receoso, mas aceita as missões e se surpreende com a mudança feita em sua vida.
Eu sou o mensageiro passa uma mensagem bem legal sobre como a vida pode melhorar se soubermos deixar de lado o conformismo e ousarmos mudar não só a própria realidade como a de outras pessoas - e isso sem ser clichê nem usar psicologia barata. Ed Kennedy descobre que pode deixar de ser só o Ed, o carinha legal, pra ser o cara que pode fazer algo por alguém e por ele mesmo, percebendo que a felicidade estava ao alcance de suas mãos.
Mark Zusak escreve de um jeito tão bom, tão bacana, que durante o tempo em que lemos o livro parece que estamos sentados ao lado de Ed, conversando e tomando um café. O texto tem uma ótima fluidez, que combinada com a estória envolvente e o carismático protagonista faz de Eu sou o mensageiro um livro admirável - nesses últimos anos, poucos best sellers conseguiram atingir tal patamar de qualidade. Zusak, que é autor do mais famoso ainda A menina que roubava livros (lindo, lindo, lindo), aqui mostra novamente que existem razões para continuar acreditando na literatura e na capacidade de criação de autores.

Leia também:
A cidade do sol
O vendendor de armas

Luís F. Passos

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Escorpião de Jade - Woody Allen em comédia investigativa

No departamento investigativo de uma empresa de seguros, trabalha C.W Briggs (Woody Allen), um funcionário admirado por todos pelos seus longos anos de serviço e por ter solucionado diversos roubos que pareciam indecifráveis. A única pessoa que não parece gostar de Briggs é a Srta. Fitzgerald (Helen Hunt). Os dois simplesmente se odeiam. Brigam por qualquer motivo e parecem ser o oposto um do outro. Por trás de tanto ódio, no entanto, há uma atração. 
A primeira guinada de O escorpião de jade (The curse of the Jade Scorpion, 2001) se dá durante uma festa da empresa onde todos os funcionários se reúnem em um clube, onde está acontecendo um show de mágica. Durante o show, o mágico chama Briggs e Fitzgerald para serem suas cobaias, e os dois são hipnotizados. Ao contrário do que parecia, ao fim do número, os dois continuaram sob o efeito da hipnose, e toda vez que ouvissem as palavras Constantinopla (no caso de Briggs) e Madagascar (no caso de Fitzgerald) entrariam em transe. Essa escolha do mágico não foi aleatória: tudo fazia parte de um plano ardiloso (porém, meio estúpido) de hipnotizar Briggs para que esse roubasse jóias de famílias ricas asseguradas pela empresa.
Como nenhum crime é perfeito, pequenas pistas e detalhes levam investigadores a terem certeza de que Briggs é o ladrão das jóias, apesar deste simplesmente não se lembrar de nada (após os roubos ele é retirado de seu transe e não se lembra de nada do que ocorreu). Briggs é forçado, então, a provar sua própria inocência e, nesta jornada, acaba tendo que conviver, conhecer e se aproximar de Fitzgerald, igualmente envolvida na onda de crimes.
O escorpião de jade é considerado por muitos como o pior filme de Woody Allen. De fato, é um filme que realmente não quer dizer nada. Temos um casal, Briggs e Fitzgerald, que segue a linha de relacionamentos improváveis na qual Allen tanto gosta de trabalhar que é responsável por praticamente todas as tiradas divertidas do filme. Isso não é algo imprevisível, visto que o diretor/roteirista é quase imbatível em termos de construção de diálogos, ainda mais contando com a presença de Helen Hunt. Os dois têm uma química bem interessante e que poderia ter se repetido em algum outro trabalho sem problemas. Quem também compõe o elenco são os atores Dan Aykroyd e Charlize Theron, em uma participação tão curta quanto marcante.
Fora esse elemento, não há muitos atrativos. Apesar de ser uma investida do diretor em usar toques de cinema noir (a história se passa em 1940, década na qual o cinema noir surgiu como um novo estilo através do filme Pacto de sangue, de 1945) em uma comédia, a história em si é besta, a resolução do caso é tão repentina que soa meio forçada e o filme não acrescenta nada à filmografia do diretor. Não leva a nenhuma reflexão, a nenhuma análise, a nenhum estudo sobre a personalidade das personagens... enfim, nada demais. É simplesmente um filme divertido para se entreter por pouco mais de 90 minutos.
Resumindo, é isso que O escorpião de jade é: bem-humorado, porém tolo.

Leia também:

Lucas Moura

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os Vingadores - o grande encontro dos heróis Marvel

Loki (Tom Hiddlestom) é um deus nórdico exilado da Terra por seus crimes e que retorna ao nosso planeta através de um portal dimensional aberto pelo Tesseract, uma fonte extraordinária de energia que estava sendo utilizada em pesquisas. Através de seus poderes, ele passa a controlar a mente do dr. Selvig, responsável pela pesquisa, e do agente Clint Barton da SHIELD, agência de ultra-espionagem americana, que o ajuda na fuga. Nick Fury (Samuel L. Jackson), diretor da SHIELD, sabendo da gravidade da fuga de Loki, reativa a Iniciativa Vingadores, um projeto para reunir alguns dos maiores heróis do mundo, visando combater o deus malfeitor. A equipe reunida por ele é composta por Natacha Romanoff/ Viúva Negra (Scarlett Johanson), Bruce Banner/ Hulk (Mark Ruffalo), Tony Stark/ Homem de ferro (Robert Downey Jr.) e Steve Rogers/ Capitão América (Chris Evans).
A equipe começa a se organizar na tentativa de deter Loki - e quase consegue, se não fosse a burrice de Thor (Chris Hemsworth), deus nórdico do trovão e irmão de Loki. Acontece que Thor acreditou que havia algo bom em seu irmão, e mesmo sem querer o ajudou a escapar dos vingadores. Depois disso, ele se une ao grupo para deter o vilão.
Bem, é isso. De enredo, só isso, o resto é totalmente previsível. O que merece destaque em Os Vingadores (The Avengers) é a qualidade técnica. O filme foi muito, muito bem feito. São ótimas sequências de ação e efeitos especiais incríveis. Daí que boa ação + bons efeitos especiais é igual a ótima bilheteria. Os Vingadores simplesmente se tornou a terceira maior bilheteria de todos os tempos, atrás somente de Avatar (2009) e Titanic (1997).
Mas pra mim Os Vingadores não é nada além de mais um filme de heróis. É bem feito? Muito. Mas são mais de duas horas (pra quê isso tudo?) de pancadaria, destruição, pancadaria, músculos, pancadaria. Ah, e haja músculos! As câmeras parecem ser atraídas pelos braços de Thor, pelas pernas do Capitão América e pelos peitos da Viúva Negra. Como diriam pedreiros e funkeiros, as mina pira nos marombado. Enfim, o lado bom é que mesmo sendo um filme de heróis, o filme é despretensioso o suficiente pra que ninguém crie expectativas de ver drama nem algo profundo; a promessa do longa é ação e é ação que ele oferece. E claro, é ótimo ver que os filmes continuam tendo força para levar milhões de pessoas aos cinemas, por mais rasos que eles sejam.

Obs: As listas de filmes mais rentáveis não leva em conta a inflação. Por isso o atual pódio, composto por Avatar, Titanic e Os Vingadores seria diferente se consideressem a desvalorização monetária ao longo do tempo. É quase unânime que E o vento levou (1939) foi por setenta anos o filme com maior bilheteria, superado apenas por Avatar - e que hoje permaneceria na segunda posição.

Luís F. Passos

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Os Embalos de Sábado a noite - no embalo dos anos 70

Acompanhe a vida de Tony Manero (John Travolta), um jovem sem perspectivas, um trabalhador qualquer de uma loja de tintas, morador do Brooklin, que vive com uma família que o considera um fracasso e o deixa às sombras de seu irmão mais velho (que está para se tornar um padre), está sempre se esquivando de uma antiga namorada, Annete, que ainda é apaixonada por ele, e vive circulando pelas ruas da cidade junto com seu grupo de amigos desocupados e de moral duvidosa. Tony é um completo perdedor. Sua vida se transforma totalmente nas noites de sábado, quando ele é o rei da discoteca 2001. Lá, homens o admiram, mulheres o desejam e ele é o melhor dançarino de todos. A pista de dança é o seu templo, onde ele se sente realizado e respeitado. Sua vida começa a mudar quando ele conhece a bela Stephanie (aparentemente mais madura e equilibrada que Tony), por qual sente uma atração física e em quem vê uma parceira ideal para a dança, afinal, a grande competição de dança da 2001 está próxima e ele, como atual vencedor, deve defender seu título.
Basicamente é isso. É, o filme não tem muita história mesmo. Na verdade, o que ele tem mesmo é dança. Dança, dança, e mais dança. Grandes hits de sucesso da música disco dos anos 70 são tocados (quase sem parar ao longo do filme). Temos também inúmeras referências pop, que vão desde pôsteres de Al Pacino, Rocky Balboa e Bruce Lee no quarto de Tony ao figurino, que era o auge da moda na época com aquelas golas enormes e calças boca-de-sino passando pelo nome da boate (referência ao filme de Kubrick) e pelos penteados mirabolantes.
É um filme icônico de uma época. Acompanha a vida de uma determinada geração, seus comportamentos e suas dúvidas e eleva o fenômeno disco a níveis mundiais. Claro que quem se sai melhor em Os embalos de sábado a noite (Saturday night fever, 1977) é o próprio John Travolta (por mais incrível que pareça, indicado ao Oscar de melhor ator por este filme). Travolta deixou de ser um jovem ator bonito e promissor e passou a ser um ator respeitado, um símbolo sexual da década e uma celebridade mundialmente conhecida ao canalizar parte do espírito jovem de sua época na figura emblemática de Tony. Além disso, alguns passos de dança que ele realiza ao longo da história são imitados até hoje por reles mortais em qualquer boate.
Os embalos de sábado a noite é até bacana de conferir. Mas deve se admitir que a história em si é bem fraquinha e os dilemas mais complexos de Tony são quase ofuscados pela overdose das músicas de Bee Gees e etc. (também devo confessar que já estava ficando tonto com tanto neon).

Lucas Moura

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Quanto mais quente melhor - we wanna be loved by Marilyn


A ideia de dois homens que têm que se vestir de mulher para salvar suas vidas não é muito atraente num filme por ser um pouco clichê. Mas se eu disser que esses dois homens são Tony Curtis e Jack Lemmon? E que a direção e roteiro são do genial Billy Wilder? E principalmente, se eu disser que a outra protagonista do filme é Marilyn Monroe? Aí eu tenho certeza que a coisa fica muito mais interessante.
Joe (Curtis) e Jerry (Lemmon) são dois músicos sem eira nem beira, dois pobres coitados que tocam respectivamente sax e contrabaixo. Numa noite em que se preparavam para fazer uma apresentação numa cidade próxima a Chicago, eles presenciam o massacre de uma gangue feita por um criminoso famoso chamado Spats Colombo (George Raft). Claro que gângsters não gostam de testemunhas, e é por pura sorte que Joe e Jerry conseguem fugir, decidindo ir para o lugar mais longe possível. A oportunide aparece quando eles descobrem que uma banda precisava de alguém pra tocar sax  contrabaixo em Miami - mas tinham de ser mulheres.
Os dois músicos se disfarçam de mulheres; Joe se torna Josephine e Jerry, Daphne. Logo no trem para a Flórida eles conhecem Sugar (Marilyn), uma loira escultural que toca guitarra havaiana e canta. Sugar é meio cabeça oca, e sonha encontrar um cavalheiro milionário que a faça feliz, já que suas experiências amorosas se resumem a músicos, principalmente saxofonistas, que prometem o mundo mas fogem na primeira oportunidade. Essa má sorte no amor faz com que ela tenha um carinho especial por uísque, e é numa situação muito engraçada envolvendo a bebida que ela se torna amiga de Josephine e Daphne.
Enquanto Joe parece aceitar bem o disfarce, Jerry, na primeira oportunidade, se veste como um milionário e usando o nome Shell Jr passa a seduzir Sugar. Enquanto isso, Josephine passa a ser cortejada por um milionário setentão muito animadinho, que mesmo com a rejeição da "moça" não desiste de conquistá-la.
Quanto mais quente melhor (Some like it hot, 1959) é considerado a melhor comédia de todos os tempos desde que foi lançado, e não é pra menos. Não tenho dúvida de que é um dos filmes mais engraçados que já vi. Billy Wilder soube alternar muito bem o humor pastelão com os diálogos brilhantes, que são sua marca registrada. É impossível não rir da cena em que Jerry, vestido como Daphne, tenta seduzir Sugar no meio de várias mulheres que estavam numa só cama, ou quando o mesmo diz a Joe que está noivo do milionário tarado.  Jack Lemmon era tão bom que só de ver Daphne tocando contrabaixo dá vontade de rir.
E quanto a Marilyn... ah, Marilyn! Aqui ela está muito mais sedutora que em O pecado mora ao lado (1955). Primeiro porque aqui temos a famosa passagem em que ela canta "I wanna be loved by you",  deixando qualquer um boquiaberto. Além disso, Sugar é intencionalmente sexy, doida pra casar com um milionário. Mesmo estando grávida e com o peso acima do normal -mal dá pra perceber- Marilyn tá um pitel, com aquele misto de ingenuidade e sensualidade que não tem igual.
O primeiro filme de Billy Wilder que vi foi The apartment (1960), tambem com Jack Lemmon, que foi vencedor do Oscar de Melhor filme. É uma comédia de costumes incrível, que foi automaticamente pra lista de meus filmes preferidos. Eu achava que era o melhor filme de Wilder, mas depois de ver Quanto mais quente melhor, fiquei em dúvidas. Só me resta recomendar ambos, com a garantia da satisfação diante do legado de um dos melhores diretores da história de Hollywood.

Leia também: O pecado mora ao lado

Luís F. Passos

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Persona - quando as máscaras caem

Após uma crise surpreendente em que se tornou muda, de uma hora para outra, durante um espetáculo, a atriz Elisabet Vogler (Liv Ullmann) passa a ser cuidada pela dedicada enfermeira Alma (Bibi Andersson), cuja função é tratá-la da melhor forma possível e tentar retirar algumas palavras de sua boca. Segundo a equipe médica que cuidou de Elisabet, sua mudez não tem fins patológicos em termos fisiológicos e sim uma fundamentação psíquica e opcional. Ela optou por se tornar muda. A forma que ela encontrou para tentar se encontrar como pessoa, fugindo de responsabilidades e obrigações sociais foi permanecer-se calada permanentemente.
Passando um período inicial no hospital e vendo que não houve nenhum tipo de melhora, Elisabet e Alma vão passar um tempo numa casa de praia, afastada de tudo e de todos. Nesse período, apenas Alma fala enquanto Elisabet fica o tempo todo escutando o que ela tem a dizer. Alma aparenta ser uma mulher muito mais forte que Elisabet, uma enfermeira dedicada, que tinha sido boa aluna na época da faculdade, uma boa esposa cheia de planos familiares que fala sozinha com um tom de segurança (ou não?) na voz. Mas quanto mais as duas mulheres “conversam”, mais os papéis vão se invertendo. Aos poucos as narrativas patéticas de Alma vão se tornando mais sérias e se transformando em verdadeiras confissões, em que ela fala sobre experiências sexuais envolvendo uma amiga e dois rapazes desconhecidos e o aborto de um filho indesejado. Confissões de suas dúvidas, de seus desejos, de seus pecados e de seus arrependimentos. Na presença silenciosa de Elisabet, Alma se abre totalmente ao permitir que a máscara a qual é forçada a colocar todos os dias para poder se expor ao mundo caia e que seu verdadeiro “eu”, até então escondido, seja revelado da forma mais forte possível.
Desse modo, Alma vai se tornando uma mulher diferente e vai entrando em uma espécie de simbiose com Elisabet. Em alguns momentos, não sabemos qual mulher está na tela: seria Alma? Seria Elisabet? Ou seria apenas um delírio? Pouco importa a resposta, o que importa é a idéia central, que é justamente dessa fusão de identidades.
Tão importante quanto a cena da confissão, em que todo esse processo efetivamente se inicia, é a cena em que Alma e Elisabet se confrontam. As duas sentadas numa mesa, uma de frente para a outra, e vestindo roupas praticamente iguais. Nesse momento, Elisabet segura uma foto de seu filho rejeitado (rasgada por ela) enquanto é confrontada diretamente por Alma, que diz várias coisas sobre a vida dela. Sobre como ela se comporta perante as pessoas, sobre sua futilidade, os motivos que a levaram a querer ter um filho, a sua incapacidade de ter um amor recíproco por essa criança e, aos poucos, a narrativa vai ficando cada vez mais confusa. Perde-se o limite em que estamos ouvindo sobre acontecimentos ocorridos a Elisabet ou medos secretos de Alma. As palavras da enfermeira começam a ficar mais confusas até que só lhe resta falar, em tom de negação, “Não sou Elisabet Vogler!”. Ao mesmo tempo, os dois rostos, unem-se em um só num toque de mestre de direção e fotografia. Metade da face é de Alma e a outra metade é de Elisabet, mas o rosto parece ser um só. As duas são uma só. Ao tentar negar ser Elisabet Vogler, Alma está, na verdade, buscando negar sua própria identidade escondida. Ela pode até não ser Elisabet, mas é ela que a fez se confrontar consigo mesmo e é através dela que seu “eu” se revelou.
Por fim, cabe a Alma decidir se continua nessa viagem pelo seu “eu” oculto ou volta a assumir sua antiga persona de perfeição. Nesse momento, ela veste suas antigas roupas de enfermeira e, no que parece ser um delírio, força Elisabet a dizer apenas uma palavra: “nada”. É mesmo Elisabet que diz isso? Ou seria a mente de Alma? De qualquer forma, a enfermeira decide por pegar um ônibus e se afastar da casa de praia, de Elisabet e de seu “eu” interior (acho que a pergunta acima está respondida).

Obs1: tanto ao início quanto ao fim do filme, vemos a imagem de um menino em algo que parece um necrotério, ou coisa do tipo, e este menino parece assistir ao filme, vendo imagens das duas mulheres, podendo senti-las sem poder, no entanto, aproximar-se. Quem seria esse? O filho rejeitado de Elisabet? O filho abortado de Alma? Algo sem relação? Sem respostas.
Obs2: as atrizes Liv Ullmann e Bibi Andersson trazem uma semelhança física incrível. Na cena da fusão de rostos, a semelhança é tão grande que realmente parece uma pessoa só. Chega a ser assustador.
Obs3: alguns críticos traduzem o quase incompreensível prólogo de Persona (1966) como um jeito que o diretor, Ingmar Bergman, achou para mostrar que esse trabalho é uma destruição e reconstrução de sua forma de fazer filmes, como se preparando sua carreira para algo novo. O diretor, por sua vez, o descreve como um poema visual.
Obs4: o título nacional, Quando duas mulheres pecam, é ridículo e remete a um conteúdo sexual que o filme não parece ter e, mesmo que tenha, é secundário.

Leia também: O desprezo

Lucas Moura